Novo edital da Ancine gera discussão entre classe artística
A Agência Nacional do Cinema lançará o Edital de Fluxo Contínuo de Produção para Cinema em setembro (R$ 150 milhões). Artistas reclamam de privilégio para grandes produtoras
Começam no dia 3 de setembro as inscrições para o Edital de Fluxo Contínuo de Produção para Cinema, criado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine). O projeto, que foi lançado no dia 16 de julho e sofreu retificações anunciadas no dia 17 deste mês (produtoras podem receber investimentos de no máximo 25% dos recursos, em vez de 30%), disponibilizará R$ 150 milhões para produtoras e distribuidoras brasileiras.
Desde sua divulgação, o edital vem recebendo críticas da classe artística.
Entre as questões levantadas por profissionais do cinema está a forma como diretores e produtores são julgados - através do número de filmes lançados e do desempenho comercial. A partir desses parâmetros, são formuladas notas.
"Esse edital direciona os recursos para um número reduzido de empresas produtoras, que no caso são as maiores do País e estão concentradas no Rio de Janeiro e em São Paulo", sugere João Vieira Jr., produtor da Carnaval Filmes. "É uma forma de privilegiar os resultados comerciais, não considerando a criação artística. Como produtor, não quero minimizar a avaliação do desempenho comercial, mas acho que esses critérios devem ser equiparados. Um não deve se sobrepor ao outro", ressalta.
Leia também:
Edital da Ancine provoca críticas entre produtores
Ancine anuncia cotas de gênero e raça em edital para produção de filmes
Marco Ricca protagoniza longa 'Paterno', que tem cenas filmadas no Recife
"Parece claramente uma versão do edital que dá suporte às majors, aos que fazem cinemão de público, bilheteria", opina o cineasta Marcelo Lordello (autor de "Eles voltam"). "A lógica de pontuação é muito equivocada. Estamos falando de recursos públicos, ou seja, de alguma forma isso tem que chegar à população, de maneira democrática. E os critérios que estão sendo usados são mercadológicos. E isso, para a gente que faz um cinema de temas que fogem do comum, dos clichês, com uma pesquisa mais autoral, que trata de realidades mais complexas do Brasil, da sociedade em que a gente vive, é muito negativo", reforça o diretor.
Segundo profissionais do audiovisual, os critérios do edital também podem dificultar a entrada de novos diretores e produtores no mercado. "A renovação é necessária. Um diretor jovem, que só tenha curtas, não será contemplado. Eu me preocupo também com as novas produtoras, que também não serão contempladas nessa pontuação. Vão poder participar, mas o acesso vai ser muito mais restrito", diz João.
"A reclamação do setor é que um montante grande está destinado ao fluxo contínuo. Nos editais das outras linhas, as obras são avaliadas pelo mérito artístico, mas a concentração de recursos no fluxo contínuo, anunciado dessa forma, privilegia poucas empresas produtoras e poucos diretores", destaca.
Para Mannuela Costa, produtora da Plano 9 Produções, a função do poder público é atuar nas falhas de mercado, e não acentuá-las. "Pelo esquema montado, de avaliação e pontuação, diria que um diretor estreante só conseguiria fazer um filme de ficção associando-se a uma grande produtora ou a uma grande distribuidora, quando não os dois ao mesmo tempo. Essa questão deixa o realizador refém da estrutura, desequilibrando as relações de força", opina.
Mais transparência na seleção
A Agência Nacional do Cinema (Ancine), através de seu presidente, Christian de Castro, se posicionou em relação às críticas recebidas. Em entrevista à Folha de Pernambuco, Christian ressalta que o edital não substitui outros mecanismos de fomento. "Temos que analisar a política do audiovisual de forma integrada. Em março, lançamos um edital seletivo de R$ 100 milhões, que privilegia a análise do projeto e funciona como uma porta de entrada dos para produtores menores e novos realizadores. Em fevereiro, lançamos editais de R$ 80 milhões, gerenciados pela Secretaria do Audiovisual (Sav), com linhas específicas para primeiros e segundos filmes, cotas de gênero, raça", explica.
"Se a gente parar para analisar, esse edital são R$ 150 milhões. Se somar o edital seletivo com o da Secretaria do Audiovisual (Sav), são 180 milhões. Então é mais ou menos o mesmo volume de recurso. E sabendo que há outros editais estão para aparecer mais para frente. Lembrando que esses são frutos de investimentos de recursos passados. A gente ainda não está investindo no plano de 2018. Devemos colocar novas linhas no segundo semestre", ressalta.
O método para chegar à nota dos diretores seguiu uma linha de pensamento. "A forma de pontuação do diretor é responsável por 10% da nota. Desses, 4% é sobre as obras lançadas. Os outros 6% se dividem de maneira igual: desempenho comercial e artístico. São pontuações pensadas da mesma forma. O que pesa mais é a quantidade de obras entregues, premiando aquele diretor que é mais produtivo", diz Christian. A inclusão, na lista inicial, de diretores que já morreram (como Héctor Babenco e Rogério Sganzerla), também foi alvo de comentários. "Isso foi um erro. Apesar das análises internas, alguns nomes passaram, por mais óbvios que fossem. A gente prontamente corrigiu, estamos procurando melhorar a lista", ressalta.
Segundo o presidente da Ancine, o edital irá tornar o processo de seleção mais transparente e menos burocrático. "No modelo anterior de fluxo contínuo, às vezes os projetos demoravam 12 a 18 meses para conseguir receber o recurso. Dentro dessa nova metodologia, por avaliarmos de maneira mais rápida, pretendemos trazer o prazo para menos de seis meses. Assim, as produtoras passam a ter mais previsibilidade na hora de trabalhar. Assim, conseguem competir não só no mercado local como também no mercado internacional. E fazer isso de forma mais rápida e consistente", reforça.

