Ter, 16 de Dezembro

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Poesia

Poemas celebram artistas Jomard Muniz de Britto e Pedro Américo

Poeta maranhense Wilson Araújo celebra aniversários de nomes ilustres da cultura pernambucana

Foto: Pixabay

ARTEVIDA ATREVIDA
(84 EM 8 DE 4)


“a arte se fundirá com a vida, quando a vida

enriquecerá em proporções

tais que se modelará,

inteiramente, na arte”

TRÓTSKI

 

JMB: não o famigerado mas o gerado pela fome

de amor, humor, rumor

A PRIMEIRA vez que vi JOMARD (aquela presença

exuberante entrando pelos sete buracos da minha cabeça)

tive a impressão de que minha carência tinha

encontrado o seu guru, quem vê cara (de guru)

não vê coração (de guri). vê carisma.

a aparência carismática JOMARD anula com seu

método sedutor (sem persuasão) de conviver.

convivência que eliminou minha carência

e desfez o mistério (da personalidade).

 

JOMARD é um intelectual em estado de graças

plenas de educador. sem pose pedagógica (nem

closes?).

sua didática elimina distância entre corpos

docente e discente. é uma didática desmistificadora

do romantismo-maternal da educação pela cartilha

da normalista linda. é uma didática desmitificadora

da autoridade-paternal da educação pela cátedra

do mestre-frankenstein. nem a educação pela pedra

cabralina, cerebral, nem a educação pela pedra

 

no meio do caminho. mas a educação pelo caminho (no

meio da pedra). é uma didática de exercícios,

que não sistematiza (nem xistossomiza) o brasil.

tematiza. problematiza. é uma didática que

questiona os fascículos oficiais (ou o brasil acaba

com a demagogia ou essa pedagogia acaba com

o brasil) e os discursos dos bacharéis (houve

a proclamação da república ou a DECLAMAÇÃO DA

REPÚBLICA?). é uma didática menos ABC

do castro alves e mais ABC da vida

oprimida (e reprimida deprimida comprimida)

nas filas vilas favelas.

 

A PRIMEIRA vez que vi JOMARD (aquele elegância

ostensiva naquele jeito organizado de vestir) tive

a impressão de que estava diante de um aristocrata.

e de um aristocrata com fleugma britânico – ou

enigma de feudo (a grande solidão de apipucos é uma

fabricação [vide marketing da grande solidão] desse

enigma). mas a irreverência de espírito desmoralizou

o status-quo daquela aparência. JOMARD é ferina

ironia faca só lâmina na carne da vida cultural

oficial-feudal-burocrático-aristocrática

no trópico de pernambucâncer.

 

JOMARD é o cara mais irrequieto que conheço (não

confundir o aumento de sua pulsação com

taquicardia; confundir com picardia). fascinante

e faiscante na condição (humana) de militante

cultural, no sentimento (ativista) do mundo das

 

artes na periferia do centro (de convenções),

JOMARD é manifestação (plena) de vontade de viver.

que exclui hipocrisia e inclui

grilo angústia distonia diarréia

e alegria alegria e vida tem que ter arte e arte

tem que ter ambição e ambição tem que ter delírio

e nem vem que não tem colírio e olhai os lírios

do campo pelos delírios do contracampo,

cinevivendo do lado dos serverinos da vida

- contra os severianos da indústria cultural.

JOMARD faz do ato de viver o fato de fazer arte

ou do ato de fazer arte o fato de viver

as vísceras e as úlceras do resífilis,

exorcizando o CARACTER pernambucano e

erotizando o corpo social (no cotidiano).

 

O BRASIL era um país sem memória. agora o BRASIL

é um país com excesso de memória. das memórias

de um general de milícia conspiratória às memórias

de um guerrilheiro de sequestros com astúcia.

de pedro (nava) a paulo (cavalcanti), o BRASIL

virou um país de memórias cheias de glórias

(nacionais). a ARTEVIDA de JOMARD bem que dá

um livro de memória best-seller: “quando o camarada

escreve a sua memória ele está num processo de

heroicização... é uma coisa muito nascísica...

e eu sou anti-memorialista pela condição

muito existencial do presente”.

só duas circunstâncias: instância

em que a vocação pela ação cultural

 

libertadora levou JOMARD a trabalhar

com Paulo Freire na Pedagogia do Oprimido. 1964, o golpe.

Jomard foi então demitido das Universidades Federais

de Pernambuco e Paraíba, onde ensinava. e foi cassado politicamente.

só na abertura política foi reintegrado pelas Universidades.

depois de cassado, foi preso no Forte

de Cinco Pontas, onde foi companheiro de cela de um

santo homem comunista

chamado Gregório Bezerra.

 

TERCEIRA AUARELA DO BRASIL é uma viagem

de descobrimento do brasil, do brasil da

primeira missa ao brasil do primeiro míssil

(país do futuro?). do brasil varonil (não verás

nenhum país etc) ao Brasil verossímil (que

país do mar de rosas – do céu de anil – do chão

de estrelas é este?).

JOMARD ta de corpo-sensual e de alma-sensibilidade

nesta AQUARELA. com a realidade entrando pelos

óculos (arregalados nas barbas do lula), vai

fazendo seu apanhado do “apanágio nacional”

(independência ou morte – e vida Severina?

o nacionalismo é uma virtude – ou um cinismo?).

 

TERCEIRA AQUARELA DO BRASIL. certeira

nas sagradas escriDURAS em outDOR:

“O BRASIL NÃO É O MEU PAÍS: É NOSSO CÂNCER

CIRCULAR COTIDIANO COISIFICADO NO CIRCUITO

DO ABISMO PARA A ALEGORA DAS CALMARIAS”.

 

(foi prefácio do livro de Jomard, Terceira Aquarela do

Brasil, da década de 1980, e depois publicado

no meu livro Signos Involuntários, de 2003)

 

ao fazer 80 anos, cometeu um atentado (poético!)

no vestíbulo

da Indesejada das Gentes!

 

Wilson Araújo de Sousa (WAS)

 

pedrAmérico
(73 EM 10 DE 4)

 

João Cabral de Melo Neto

(belo verso para um bom soneto,

sendo que ele, gênio da métrica,

recusava a mecânica do soneto)

numa lição da “Educação pela Pedra”:

“No Sertão a pedra não sabe lecionar”.

mas João Cabral muda de sertão

pelo Sertão da Pedra do Reino:

“Foi bom saber-se que o sertão

não só fala a língua do NÃO”.

Educação pela Pedra do Reino:

por lição em aula-espetáculo

com o dom (Sebastião) de iludir.

mas o próprio João fez autocrítica

no que se mudou pro Sertão!:

“Só duas coisas conseguiram

(des)feri-lo até a poesia:

o Pernambuco de onde veio

e o aonde foi a Andaluzia.

Um, o vacinou do falar rico

e deu-lhe a outra, fêmea e viva,

desafio demente: em verso

dar a ver Sertão e Sevilha”.

João: você precisava saber

da Educação pelo Pedro

(“meus ais viraram assobios”.

 

e também viram aboios:

seu modo de grito primal.

já foi flagrado alternando

assobios e aboios na antena da raça.

Educação pelo pedrA: pedrAmérico

do sal, pedrAmérico do sol, pedrAmérico do sul.

por lições, por lição de coisas. e por demolições.

de falsos ícones-profetas (vide VATE – mecum do Pedro).

Educação pelo paralelepíPedro,

por lição com poliedro.

ser tão do Sertão e tão ser

no mundo pelo caminho das pedras:

veredas, chapadas (a do Araripe!),

cordilheiras (a dos andes

e a dos ondes e a das pontes de londres.

dos carrascais do Sertão do ser

tão do cais, do cascais, dos haicais.

pedrAmérico dentro da lição:

corisco arisco risca no céu do ouricuri:

o sertanejo

é antes de tudo

um Sócrates!

 

ouricurisco!

 

Jomard Muniz de Britto

e Pedro Américo de Farias

no que João Cabral disse de Paul Klee:

“Nele houve o insano projeto

De envelhecer sem rotina”.

 

retira intacta da existência

com a vida a reluzir resistência;

- a arte e o luzir sensível da idéia (Hegel)

 

Wilson Araújo de Sousa (WAS)

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