Poemas celebram artistas Jomard Muniz de Britto e Pedro Américo
Poeta maranhense Wilson Araújo celebra aniversários de nomes ilustres da cultura pernambucana
ARTEVIDA ATREVIDA
(84 EM 8 DE 4)
“a arte se fundirá com a vida, quando a vida
enriquecerá em proporções
tais que se modelará,
inteiramente, na arte”
TRÓTSKI
JMB: não o famigerado mas o gerado pela fome
de amor, humor, rumor
A PRIMEIRA vez que vi JOMARD (aquela presença
exuberante entrando pelos sete buracos da minha cabeça)
tive a impressão de que minha carência tinha
encontrado o seu guru, quem vê cara (de guru)
não vê coração (de guri). vê carisma.
a aparência carismática JOMARD anula com seu
método sedutor (sem persuasão) de conviver.
convivência que eliminou minha carência
e desfez o mistério (da personalidade).
JOMARD é um intelectual em estado de graças
plenas de educador. sem pose pedagógica (nem
closes?).
sua didática elimina distância entre corpos
docente e discente. é uma didática desmistificadora
do romantismo-maternal da educação pela cartilha
da normalista linda. é uma didática desmitificadora
da autoridade-paternal da educação pela cátedra
do mestre-frankenstein. nem a educação pela pedra
cabralina, cerebral, nem a educação pela pedra
no meio do caminho. mas a educação pelo caminho (no
meio da pedra). é uma didática de exercícios,
que não sistematiza (nem xistossomiza) o brasil.
tematiza. problematiza. é uma didática que
questiona os fascículos oficiais (ou o brasil acaba
com a demagogia ou essa pedagogia acaba com
o brasil) e os discursos dos bacharéis (houve
a proclamação da república ou a DECLAMAÇÃO DA
REPÚBLICA?). é uma didática menos ABC
do castro alves e mais ABC da vida
oprimida (e reprimida deprimida comprimida)
nas filas vilas favelas.
A PRIMEIRA vez que vi JOMARD (aquele elegância
ostensiva naquele jeito organizado de vestir) tive
a impressão de que estava diante de um aristocrata.
e de um aristocrata com fleugma britânico – ou
enigma de feudo (a grande solidão de apipucos é uma
fabricação [vide marketing da grande solidão] desse
enigma). mas a irreverência de espírito desmoralizou
o status-quo daquela aparência. JOMARD é ferina
ironia faca só lâmina na carne da vida cultural
oficial-feudal-burocrático-aristocrática
no trópico de pernambucâncer.
JOMARD é o cara mais irrequieto que conheço (não
confundir o aumento de sua pulsação com
taquicardia; confundir com picardia). fascinante
e faiscante na condição (humana) de militante
cultural, no sentimento (ativista) do mundo das
artes na periferia do centro (de convenções),
JOMARD é manifestação (plena) de vontade de viver.
que exclui hipocrisia e inclui
grilo angústia distonia diarréia
e alegria alegria e vida tem que ter arte e arte
tem que ter ambição e ambição tem que ter delírio
e nem vem que não tem colírio e olhai os lírios
do campo pelos delírios do contracampo,
cinevivendo do lado dos serverinos da vida
- contra os severianos da indústria cultural.
JOMARD faz do ato de viver o fato de fazer arte
ou do ato de fazer arte o fato de viver
as vísceras e as úlceras do resífilis,
exorcizando o CARACTER pernambucano e
erotizando o corpo social (no cotidiano).
O BRASIL era um país sem memória. agora o BRASIL
é um país com excesso de memória. das memórias
de um general de milícia conspiratória às memórias
de um guerrilheiro de sequestros com astúcia.
de pedro (nava) a paulo (cavalcanti), o BRASIL
virou um país de memórias cheias de glórias
(nacionais). a ARTEVIDA de JOMARD bem que dá
um livro de memória best-seller: “quando o camarada
escreve a sua memória ele está num processo de
heroicização... é uma coisa muito nascísica...
e eu sou anti-memorialista pela condição
muito existencial do presente”.
só duas circunstâncias: instância
em que a vocação pela ação cultural
libertadora levou JOMARD a trabalhar
com Paulo Freire na Pedagogia do Oprimido. 1964, o golpe.
Jomard foi então demitido das Universidades Federais
de Pernambuco e Paraíba, onde ensinava. e foi cassado politicamente.
só na abertura política foi reintegrado pelas Universidades.
depois de cassado, foi preso no Forte
de Cinco Pontas, onde foi companheiro de cela de um
santo homem comunista
chamado Gregório Bezerra.
TERCEIRA AUARELA DO BRASIL é uma viagem
de descobrimento do brasil, do brasil da
primeira missa ao brasil do primeiro míssil
(país do futuro?). do brasil varonil (não verás
nenhum país etc) ao Brasil verossímil (que
país do mar de rosas – do céu de anil – do chão
de estrelas é este?).
JOMARD ta de corpo-sensual e de alma-sensibilidade
nesta AQUARELA. com a realidade entrando pelos
óculos (arregalados nas barbas do lula), vai
fazendo seu apanhado do “apanágio nacional”
(independência ou morte – e vida Severina?
o nacionalismo é uma virtude – ou um cinismo?).
TERCEIRA AQUARELA DO BRASIL. certeira
nas sagradas escriDURAS em outDOR:
“O BRASIL NÃO É O MEU PAÍS: É NOSSO CÂNCER
CIRCULAR COTIDIANO COISIFICADO NO CIRCUITO
DO ABISMO PARA A ALEGORA DAS CALMARIAS”.
(foi prefácio do livro de Jomard, Terceira Aquarela do
Brasil, da década de 1980, e depois publicado
no meu livro Signos Involuntários, de 2003)
ao fazer 80 anos, cometeu um atentado (poético!)
no vestíbulo
da Indesejada das Gentes!
Wilson Araújo de Sousa (WAS)
Leia também
• Poeta Wilson Araújo: Capítulo da Paixão Maranhense
• Poeta Wilson Araújo retoma rotina de rimas e métricas
pedrAmérico
(73 EM 10 DE 4)
João Cabral de Melo Neto
(belo verso para um bom soneto,
sendo que ele, gênio da métrica,
recusava a mecânica do soneto)
numa lição da “Educação pela Pedra”:
“No Sertão a pedra não sabe lecionar”.
mas João Cabral muda de sertão
pelo Sertão da Pedra do Reino:
“Foi bom saber-se que o sertão
não só fala a língua do NÃO”.
Educação pela Pedra do Reino:
por lição em aula-espetáculo
com o dom (Sebastião) de iludir.
mas o próprio João fez autocrítica
no que se mudou pro Sertão!:
“Só duas coisas conseguiram
(des)feri-lo até a poesia:
o Pernambuco de onde veio
e o aonde foi a Andaluzia.
Um, o vacinou do falar rico
e deu-lhe a outra, fêmea e viva,
desafio demente: em verso
dar a ver Sertão e Sevilha”.
João: você precisava saber
da Educação pelo Pedro
(“meus ais viraram assobios”.
e também viram aboios:
seu modo de grito primal.
já foi flagrado alternando
assobios e aboios na antena da raça.
Educação pelo pedrA: pedrAmérico
do sal, pedrAmérico do sol, pedrAmérico do sul.
por lições, por lição de coisas. e por demolições.
de falsos ícones-profetas (vide VATE – mecum do Pedro).
Educação pelo paralelepíPedro,
por lição com poliedro.
ser tão do Sertão e tão ser
no mundo pelo caminho das pedras:
veredas, chapadas (a do Araripe!),
cordilheiras (a dos andes
e a dos ondes e a das pontes de londres.
dos carrascais do Sertão do ser
tão do cais, do cascais, dos haicais.
pedrAmérico dentro da lição:
corisco arisco risca no céu do ouricuri:
o sertanejo
é antes de tudo
um Sócrates!
ouricurisco!
Jomard Muniz de Britto
e Pedro Américo de Farias
no que João Cabral disse de Paul Klee:
“Nele houve o insano projeto
De envelhecer sem rotina”.
retira intacta da existência
com a vida a reluzir resistência;
- a arte e o luzir sensível da idéia (Hegel)
Wilson Araújo de Sousa (WAS)

