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CINEMA

Por que ''O Agente Secreto'' é a melhor escolha para representar o Brasil no Oscar 2026

Decisão será anunciada na segunda-feira (15)

Wagner Moura é o protagonista do filme ''O Agente Secreto''Wagner Moura é o protagonista do filme ''O Agente Secreto'' - Foto: Victor Jucá/Divulgação

Na próxima segunda-feira a Academia Brasileira de Cinema anuncia o longa que representará o Brasil no Oscar de melhor filme internacional e que tentará repetir o feito de "Ainda estou aqui", de Walter Salles, vencedor na categoria na última edição da cerimônia.

No início da semana, a instituição nacional responsável pela escolha revelou os seis finalistas pela vaga: “Baby”, de Marcelo Caetano, “Kasa Branca”, de Luciano Vidigal, “Manas”, de Marianna Brennand, "O agente secreto", de Kleber Mendonça Filho, “O último azul”, de Gabriel Mascaro, e “Oeste outra vez”, de Erico Rassi.

A pré-seleção é reflexo de um ano muito positivo do cinema brasileiro. "Baby" teve passagem com prêmio por mostra paralela do Festival de Cannes do ano passado. "Manas" também teve reconhecimentos em Veneza e Cannes, embora fora das competições oficiais. "Oeste outra vez" foi o grande vencedor do Festival de Gramado 2024 e quase uma unanimidade de crítica. "Kasa Branca" reflete a força do cinema brasileiro independente, sendo uma das últimas produções de Cacá Diegues (1940-2025). E o que dizer de "O último azul", vencedor do Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri, o segundo troféu mais importante do Festival de Berlim.

Antes mesmo do anúncio dos finalistas, outros grandes filmes nacionais se colocavam como candidatos, como o sucesso de público "Homem com H", de Esmir Filho, e o premiado "Malu", de Pedro Freire. Neste sentido, é importante valorizar todas as obras que refletem um momento especial do audiovisual no país, um momento com sucessos de público e reconhecimento nacional e internacional. E é justamente pelo caráter especial do momento, que a Academia Brasileira de Cinema não deve desperdiçar a oportunidade.

Qualquer escolha que não seja a de "O agente secreto" para representar o Brasil no Oscar será um erro. E são vários os motivos para isso, como elencamos a seguir.

Hit em Cannes
"O agente secreto" recebeu dois prêmios no Festival de Cannes, que vem sendo a mais importante vitrine internacional para o Oscar nos últimos anos, acompanhando a tendência da Academia de voltar sua atenção para o cinema feito fora dos Estados Unidos, ou para o próprio cinema americano independente. Em 2025, o grande vencedor do Oscar, "Anora", e o recordista em indicações, "Emilia Pérez", haviam sido consagrados no Festival de Cannes do ano anterior. Na edição de 2024, outros sucessos vindos do evento francês movimentaram a premiação hollywoodiana, como "Anatomia de uma queda" e "Zona de interesse".

Exemplo francês
Em 2024, a Academia de Cinema da França optou por indicar "O sabor da vida", de Tran Anh Hùng, como seu representante ao Oscar, ignorando o aclamado "Anatomia de uma queda", de Justine Triet, Palma de Ouro do Festival de Cannes. A opção controversa gerou críticas na França e praticamente jogou fora a oportunidade do país levar mais uma estatueta do Oscar. "O sabor da vida" acabou não indicado ao Oscar e a ausência de "Anatomia de uma queda" beneficiou o drama "Zona de interesse", de Jonathan Glazer.

Com histórico de conquistas no Oscar, talvez a Academia da França possa arriscar em sua indicação. Não me parece o caso da brasileira. Aqui, é importante jogar no seguro. Tentar apostar que "O agente secreto" concorrerá em outras categorias para emplacar um segundo longa nacional parece um argumento muito inocente, para não dizer equivocado. Mesmo o melhor, e pouquíssimo provável, dos cenários, com dois filmes brasileiros indicados em categorias diferentes, a escolha prejudicaria a maior chance de vitória.

Onda brasileira
"Ainda estou aqui" foi responsável por criar uma onda de boa vontade internacional para com o cinema brasileiro. Vários órgãos de imprensa internacional estão afoitos para mergulhar nesta onda e aproveitar o grande engajamento vindo do Brasil e dos brasileiros. Neste sentido, nenhuma obra é tão capaz de reproduzir o fenômeno quanto "O agente secreto". O longa já provou isso pelas passagens nos festivais de Cannes, Telluride e Toronto, importantes termômetros para o prêmio da Academia. No evento canadense, por sinal, o longa brasileiro teve ampla cobertura por parte da mais tradicional imprensa cinematográfica dos EUA, com matérias de destaque em veículos como Variety, Hollywood Reporter, Deadline, dentre outros.

Wagner Moura
Ainda que "O último azul" também possua um ator de sucesso internacional em seu elenco, Rodrigo Santoro não é protagonista da história. Já Wagner Moura é o grande nome de "O agente secreto" e já vem sendo apontado como concorrente ao Oscar de melhor ator pelo trabalho. Em sua carreira internacional, Wagner já teve indicação ao Globo de Ouro (por "Narcos"). Muitas vezes também teve seu nome citado como possibilidade para o Emmy. Ele estrelou um dos destaques nos cinemas americanos em 2024, com "Guerra civil", e também participou de séries de destaque, como "Sr. e sra. Smith" e "Ladrões de drogas".

Além do reconhecimento internacional, Wagner, digamos, "tem o molho". O ator talvez não tenha o carisma de Fernanda Torres (quem tem?), mas ele também já mostrou ter muita desenvoltura em entrevistas e também é fonte de memes inesgotáveis nas redes sociais por conta de papéis marcantes no audiovisual, como Pablo Escobar ("Narcos"), Capitão Nascimento ("Tropa de elite") e Olavo (Paraíso tropical"), aquele que chama a Bebel de Camila Pitanga da "cachorra mais burra desse calçadão".

Tema político
Um fator que também não pode ser desconsiderado é o tema político. Embora "O agente secreto" não seja tão político quando "Ainda estou aqui", o filme tem como pano de fundo os anos de regime militar. Além disso, Kleber e Wagner são pessoas particularmente engajadas. Em um período de forte engajamento político na indústria cultural americana, em razão dos confrontos com o governo de Donald Trump, estes temas parecem "mais relevantes". Ou pelo menos mais inseridos na conversa global.

Não é sobre ser o melhor
É importante que a Academia Brasileira de Cinema tenha a noção de que a escolha não é sobre o melhor filme brasileiro do ano. Para isso, a entidade conta com sua premiação anual, o Troféu Grande Otelo. A escolha para representar o país no Oscar deve ser sobre qual o melhor filme para, obviamente, "representar o país no Oscar". É sobre qual o filme com mais chances. "Ainda estou aqui" foi um verdadeiro fenômeno e mesmo assim teve uma trajetória difícil. Por muito tempo, "Emilia Perez" foi visto como favorito na disputa internacional. Mesmo com toda visibilidade, o brasileiro poderia ter muito bem saído da cerimônia em março sem uma estatueta. Se para o filme de maior visibilidade internacional da história recente do Brasil já foi difícil, como seria para uma obra sem a mesma estrutura de campanha.

Neon
Falando em estruturo da campanha... "O agente secreto" conta com distribuição da Neon nos Estados Unidos. A empresa adquiriu os direitos do filmes brasileiro durante o Festival de Cannes e parece disposta a apostar em indicações múltiplas para o longa. A empresa já realizou sessões para membros da Academia do Oscar e do Globo de Ouro, em Los Angeles, e já agendou a data de lançamento do longa nos EUA: 26 de novembro. O lançamento em novembro, inclusive, pode se mostrar algo positivo em comparação ao que aconteceu com "Ainda estou aqui" no ano passado. Na ocasião, o longa estreou nos EUA apenas em janeiro, o que prejudicou a presença em muitas premiações, como o Critics Choice e o SAG Awards.

Na temporada 2024/2025, a Neon foi responsável pelo lançamento e campanha de "Anora", grande vencedor do Oscar passado. A empresa também foi responsável pelas campanhas de obras como "Anatomia de uma queda" e "Parasita". Este know-how não deve ser desconsiderado.

Conclusão
Obviamente, escolhas como as de "O último azul" ou "Manas" nem de longe seriam absurdas como "Pequeno segredo", que superou "Aquarius", do próprio Kleber Mendonça Filho, em 2016, em uma escolha claramente política de comissão escolhida pelo ministério da Cultura do governo Temer. Mas seriam sim erros históricos. Recentemente, a Academia Brasileira de Cinema tentou inovar tirando "Ainda estou aqui" da disputa do Troféu Grande Otelo, tratando a obra de Walter Salles como hors concours. A reação negativa foi tanta que a entidade voltou atrás na decisão. Não escolher "O agente secreto" seria incorrer em equívoco semelhante.

É necessário pensar no cinema brasileiro e qual o filme mais preparado para representá-lo. Até porque, a disputa não vai ser fácil. "A simple accident', do iraniano Jafar Panahi, que pode representar a França, e "Sentimental value", de Joachim Trier, já escolhido o representante da Noruega, são apontados como nomes fortes da corrida.

Não vai ser fácil para "O agente secreto" chegar ao Oscar. Mesmo com toda exposição internacional, pode muito bem não acontecer. Se é difícil para ele, para os outros é quase impossível. Por essas e outras, o filme de Kleber Mendonça Filho deve ser o escolhido para representar o Brasil no Oscar.

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