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Roteirista fala desafios ao escrever série "Cem anos de solidão": "Não existe obra inadaptável"

Colombiana Camila Brugés é uma das convidadas do Rio2C, evento que começa nesta terça-feira (27) no Rio de Janeiro

Bastidores das gravações da série 'Cem Anos de Solidão'Bastidores das gravações da série 'Cem Anos de Solidão' - Foto: Netflix/Divulgação

“Não existe obra inadaptável”. Foi dessa premissa que partiu o time de roteiristas responsáveis por adaptar como série para o streaming “ Cem anos de solidão”, obra seminal do colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), Nobel de Literatura de 1982.

O livro, lançado originalmente em 1967 e conhecido como o mais importante trabalho do autor, sempre foi considerado por muitos como impossível de ser adaptado para as telas. Opinião compartilhada pelo próprio Gabo, que sempre resistiu a propostas para vender os direitos da obra.

O cenário mudou de figura após a morte do escritor. Rodrigo Garcia, filho de Márquez, negociou os direitos de adaptação com a Netflix, com o compromisso que a produção seria feita na Colômbia, com equipe majoritariamente local. E deu tudo certo.

Convidada do Rio2C, onde participa de painel amanhã sobre a “essência latina” na criação de séries como “Narcos” e “Cem anos de solidão”, a roteirista colombiana Camila Brugés foi uma das responsáveis por “adaptar o inadaptável”.

Em conversa com o Globo via Zoom, antes de chegar ao Rio, ela falou sobre os desafios para criar a série e o que esperar da segunda temporada da produção.

"Foi desafiador de tantas maneiras. Sabíamos desse senso comum de que seria impossível adaptar. Mas nosso time de roteiristas compartilha a ideia de que nada é inadaptável. Você só precisa descobrir como e o que está tentando adaptar, o que está querendo tirar do trabalho original e transportar para uma outra linguagem. A adaptação é um processo de tradução" defende Brugés.

"Outro desafio foi a quantidade de personagens e tramas que tivemos que selecionar para colocar em 16 horas. Foram conversas intermináveis e muitas decisões para definir como iríamos abordar a passagem do tempo e as histórias que o livro traz. Tentamos fazer uma série que fosse envolvente, tocante, divertida e bonita"

Traduzida para mais de 40 idiomas, a obra clássica do realismo fantástico latino-americano acompanha diversas gerações da linhagem de José Arcádio Buendía e Úrsula Iguarán, primos que se casaram contra a vontade dos pais e que abandonaram seu vilarejo para fundar uma utópica cidade que nomeiam como Macondo.

Crescendo juntos da cidade, os Buendía se envolvem em uma trama de loucuras, amores impossíveis e uma guerra sangrenta ao longo de décadas.

Brugés, que divide os roteiros com os conterrâneos Maria Camila Arias, Albatros González e Natalia Santa, e com o porto-riquenho José Rivera, indicado ao Oscar por “Diários de motocicleta” (2004), lembra que demorou a ler “Cem anos de solidão”. Não por falta de tentativas.

"Li “Cem anos de solidão” tarde em minha vida. Tentei ler três vezes antes de conseguir terminar. Me conectava mais com os contos do que com os romances de Gabriel García Márquez. Com “Cem anos de solidão”, sentia que era difícil demais. Tentava ler a cada três, quatro anos, e simplesmente não conseguia passar da página 30. Acho que um livro bom e desafiador chega em sua vida quando você está pronta para ele. Li o livro dois anos antes de ser chamada para a série, então estava com ele fresco na minha cabeça" diz a roteirista.

"Nunca tive uma relação de fã com Gabo, mas depois de passar dois anos trabalhando na série e lendo várias obras dele passei a ter um respeito ainda maior por ele. Vejo que é um trabalho de mestre"

A roteirista comemora o impacto da produção na indústria audiovisual colombiana e pensa que seria difícil imaginar a obra realizada em qualquer outro lugar.

O filme “Amor nos tempos de cólera” (2007), por exemplo, teve as filmagens divididas entre Colômbia e Inglaterra, com diretor britânico (Mike Newell) e atores internacionais, como o espanhol Javier Bardem, o americano Benjamin Bratt e a brasileira Fernanda Montenegro, todos falando em inglês, o que rendeu muitas críticas negativas e zero reconhecimento em premiações.

"Se a Netflix tivesse seguido outro caminho, os colombianos ficariam muito chateados. É uma obra que se tornou uma identidade nacional. Toda Colômbia está inserida neste livro. Seria um erro fazer em qualquer outro lugar" afirma.

"E foi super importante para a indústria audiovisual na Colômbia, que já estava em crescimento nos anos recentes por causa de ótimos incentivos estatais para filmagens no país. Quando a série aconteceu, estávamos prontos para entregar um grande trabalho. É importante mostrarmos para o mundo que conseguimos fazer um grande trabalho na América Latina, não só na Colômbia, mas também no Brasil e no México"

Novo projeto
Trabalhando no desenvolvimento de um novo projeto para a Netflix, sobre o qual não pode falar nada, Brugés conta que encerrou seu trabalho em “Cem anos de solidão” há três semanas, quando entregou seu último roteiro para a segunda temporada, que está em desenvolvimento. A roteirista fala sobre o que esperar do futuro da série.

"Será a última temporada e iremos cobrir o resto da história que não contamos. Terminamos a primeira temporada com Aureliano Buendía retornando para a cidade para tomá-la violentamente e com Úrsula perdendo vários de seus filhos e netos na guerra. Iremos acompanhar a próxima geração da família Buendía. É a história de uma Colômbia mais moderna misturada com elementos histórico do Massacre das Bananeiras (massacre de trabalhadores da United Fruit Company, em 1928), que marcou o país"

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