Sabor de vingança: confira como foram os shows que marcaram o retorno triunfal de Drake
Canadense reafirmou status de farol para o hip-hop e o pop global
Ao final da primeira noite do Wireless Festival, na última sexta-feira, depois que Drake foi içado sobre milhares de fãs no Finsbury Park, em Londres, ele fez um pedido ao público e aos organizadores do evento: um pouco de indulgência. O toque de recolher era rígido, mas a arte tem seu próprio relógio.
De repente, lá estava Lauryn Hill no palco, cantando o clássico dos Fugees “Ready or not”. Drake havia descido para a área em frente ao palco e olhava para Hill com um espanto alegre. Ele voltou à cena enquanto ela cantava “Ex-factor”, seu adeus mordaz que serviu de base para um dos hits mais leves de Drake, “Nice for what”, que os dois cantaram juntos. Até que o festival cortou os microfones.
Dedicado ao artista
O Wireless Festival deste ano foi um evento de três dias inteiramente dedicado a Drake e às muitas esferas de sua influência. Num fim de semana repleto de colaborações e participações especiais, essa talvez tenha sido a mais reveladora. Ao longo de sua carreira, Lauryn Hill foi uma rapper feroz, uma cantora talentosa e uma ponte entre o hip-hop e o pop de várias partes do mundo. Ela é a musicista que, com exceção de Kanye West (hoje Ye), talvez tenha sido a antecessora mais clara para Drake e o tipo de estrela que ele desejava ser: eclética, polêmica, versátil.
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Exceto algumas datas em uma turnê australiana no início do ano — que acabou interrompida —, esta foi a primeira grande apresentação ao vivo do canadense em mais de um ano. O afastamento dos palcos veio após a batalha com Kendrick Lamar no ano passado. “Not like us”, hit de Lamar, insinuou que Drake teria preferência por mulheres muito jovens e se tornou um hino pop: venceu o Grammy, foi destaque no show do intervalo do Super Bowl e virou também o centro de um processo movido por Drake contra a Universal Music Group, gravadora dos dois.
A pergunta sobre o que vem a seguir para Drake aponta, ao longo dos últimos 15 anos, também para o que vem a seguir para o hip-hop e para o pop global. E é justamente isso que tornou o último ano tão desorientador: a saída dele de cena deixou uma lacuna explícita nessa conversa.
Mas a fase pós-conflito da batalha com Lamar gerou um anticlímax. Os embates se resumiam a uma tensão central: Lamar representaria uma versão mais “pura” do hip-hop, enquanto Drake teria menos legitimidade nesse território. Mas, se as vitórias do primeiro foram argumentos a favor de uma visão tradicionalista da ética do hip-hop, as performances do segundo no Wireless apresentaram uma abordagem mais ampla, voltada para o futuro.
Desafetos
Drake foi headliner nas três noites do Wireless, com setlists temáticos: um dia voltado ao R&B, outro ao rap e o último à música de festa. Seus shows foram pontuados por convidados — ele mencionava as ligações que havia feito, com o subtexto de que muita gente ainda atende com prazer quando ele chama.
Essas aparições também eram sobre alianças com rappers americanos, como 21 Savage e Sexyy Red, ou estrelas britânicas como J Hus, Skepta ou Headie One.
"Ninguém consegue rimar melhor do que os rappers de Londres", disse.
O astro nigeriano Rema, na terceira noite, fez uma das apresentações mais eletrizantes, oscilando entre a ternura de “Calm down” e a intensidade guerreira de “Ozeba”.
A noite de abertura teve tom mais sensual, com Mario e Bobby Valentino. Giveon fez um set austero de três músicas e Bryson Tiller — talvez o primeiro cantor de R&B a reagir em tempo real às inovações de Drake, em meados dos anos 2010 — também brilhou.
Lamar e outros desafetos foram, ali, quase um detalhe. Num momento da segunda noite, a plateia começou a entoar um canto ofensivo direcionado a Lamar, incentivada por Adin Ross. Drake ouviu e estufou o peito: "Vocês acharam mesmo que iam derrubar o garoto?".
No início deste mês, o canadense havia feito uma live no YouTube por uma hora, dirigindo um caminhão de entrega de gelo pelas ruas de Toronto para lançar seu novo single, “What did I miss?”, que estreou em segundo lugar na Billboard Hot 100. Ele o apresentou somente na segunda noite do festival. Já “Nokia”, seu hit otimista e dançante lançado no começo do ano, foi tocado nas três noites. A canção saiu em fevereiro no álbum colaborativo “ Some sexy songs 4 U”, com PartyNextDoor.
A faixa se encaixava na narrativa que Drake construía sobre si, especialmente na terceira noite, na qual exibiu seu talento para o pop global. O alcance de Drake engloba o drill britânico, o dancehall jamaicano, o afrobeats nigeriano, o amapiano sul-africano, o rap do Sul dos EUA e muito mais — um cosmopolitismo transatlântico que ignora qualquer cartilha local. O restante do mundo é muito, muito grande.

