Tereza Seiblitz volta à TV após duas décadas afastada de novelas: "Sumir faz parte da profissão"
Atriz volta à cena em primeiro monólogo da carreira e na 'Dança dos famosos': 'Descobri o telefone do diretor do programa e mandei uma mensagem'
Lá pelas tantas, Tereza Seiblitz esclarece que foi mal compreendida, recentemente, após afirmar que gosta de ficar “invisível”, ou seja, irreconhecível aos olhos do público nas ruas.
— Uma vez falei isso, e aí algumas pessoas fizeram comentários como se eu quisesse ser esquecida — ela diz. — Fiquei, então, pensando... Acho que “sumir” faz parte da minha profissão de atriz. Enquanto pessoa física, preciso mesmo desaparecer em alguns momentos, senão os personagens não aparecem! No livro “O ator invisível”, o artista Yoshi Oida fala sobre isso: ele prefere o ator que aponta para a Lua e faz os outros verem a Lua, e não o dedo de um ator. Esta é a minha profissão. E é aí que está o lance do “invisível”. Mas, claro, quero ser reconhecida e ver meu nome, bonitinho, nos créditos dos trabalhos. Estou aqui para isso.
Depois de experimentar a fama nos anos 1990 na pele de personagens populares da teledramaturgia — como a vilã Laura, de “Barriga de aluguel” (1990), a catadora de caranguejos Joaninha, de “Renascer” (1993), e a cigana Dara, de “Explode coração” (1995) —, a atriz passou um período de 22 anos, entre 2002 e 2024, sem interpretar um papel fixo em novelas. Hoje, o passado marcado por abordagens expansivas de fãs se confunde com ficção na memória de muitos, como ela indica, aos risos.
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Há exatamente 30 anos, no auge da popularidade da mocinha Dara — que à época elevou em 4.000% o número de brasileiras registradas com o nome da personagem, de acordo com dados do IBGE —, Tereza viveu episódios curiosos: enquanto fazia compras num mercado, ela teve o cabelo puxado por alguém que queria comprovar se estava realmente diante da artista (“Deixa eu ver se você é de verdade”, a pessoa disse); ao se submeter a uma cirurgia de ponte de safena, deparou-se com uma enfermeira pedindo um autógrafo...
O afastamento da TV, porém, não foi algo planejado. Aconteceu que, no início dos anos 2000, os convites para os folhetins rarearam, e aí ela logo se viu às voltas com os cuidados com os filhos — Manuela, de 26 anos, da união com o ator André Gonçalves; Vittorio, de 24, do casamento com o diretor Luiz Fernando Carvalho; Juliano, de 19, da relação com o músico Kiko Horta; e a enteada Rosa, de 26, de quem também se considera mãe. Quando a atriz se deu conta, mais de duas décadas haviam passado. E foi aí que ela percebeu que havia resgatado, tcharan!, o anonimato, circulando “invisível”, como reforça, por feiras de rua, desfiles de blocos de carnaval, ônibus, metrô...
— Se eu fosse o tempo todo uma celebridade, não teria contato com as pessoas reais. E a realidade do mundo é meu material de trabalho — defende.
Novela, dança, teatro
O retorno aos palcos — com a peça “Carangueja”, de autoria própria — aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo da reaparição em dose tripla na TV. Depois de chamar atenção no papel da matriarca Doralice na novela “Volta por cima” (2024), da Globo, e da vendedora Santana na minissérie “Justiça 2”, do Globoplay, Tereza agora surge como uma das competidoras do “Dança dos famosos”, que ganhou uma nova edição, desde ontem, no “Domingão com Huck”, na Globo. Foi ela quem cavou o próprio espaço na atração, como revela.
— Não assistia muito ao “Dança...” porque, desde criança, tenho um pouco de agonia de televisão no domingo, sabe? Mas aí vi as postagens do Kike (Enrique Díaz, ator) no período em que ele participou do quadro, e achei tudo tão legal. No início do ano, descobri o telefone do diretor do programa e mandei uma mensagem, me oferecendo. Só tive o retorno positivo há um mês. E acabou rolando — conta. — Imagine só um trabalho em que você aprende vários ritmos de dança! Está sendo um desafio, mas muito divertido.
Paralelamente, o remelexo se estende aos tablados. Ex-bailarina com prática em balé clássico, flamenco e dança contemporânea, a artista faz uso de um vasto repertório corporal em “Carangueja”, primeiro monólogo da carreira. Fruto de uma pesquisa realizada na graduação em Letras — curso que ela concluiu em 2016, na PUC-Rio, e logo deu prosseguimento com um mestrado —, o espetáculo segue os passos de uma mulher com a cabeça habitada por um emaranhado de vozes e que vive num limiar entre humano e crustáceo em um manguezal. A montagem está em cartaz às terças e quartas-feiras no Teatro Poeirinha, em Botafogo, na Zona Sul do Rio, até o dia 27. Na sequência, aportará em São Luís, Brasília, Santos e Petrolina.
— Escrevi a peça a partir da experiência de que a vida é movimento, e o manguezal é a representação disso. Há um momento em que digo: “Aqui há milhares de espécies em aliança, a vida infinitamente alegre e feroz, comendo a si mesma e começando sempre” — reproduz. — A realidade é esta: um animal que come o outro para ser devorado por outro bicho depois. É como se a morte também estivesse dentro da vida, e a peça fala sobre essas questões.
'Útero da Terra'
Na primeira vez em que rodou uma cena de “Renascer” (1993) no meio de um manguezal — na pele da catadora de caranguejos Joaninha —, Tereza Seiblitz chafurdou os pés na lama e saiu andando. De repente, a artista se transformou num “pontinho marrom” bem distante, como a equipe reclamou nos bastidores de gravação da novela, antes de lançar o grito de “ação!”. Nunca antes a atriz havia pisado num cenário movediço como aquele. Não à toa, vem dessa lembrança a base para a dramaturgia de “Carangueja”, como ela lembra:
— Fiquei muito impressionada quando entrei num manguezal. Senti-me no útero da Terra. Era um local arcaico, puro e selvagem, mas com uma infinidade de filhotes de caranguejos, ou seja, com muita vida nascendo e brotando por todas as partes. Tive, então, a sensação de estar num lugar muito fértil. Era como se a vida estivesse num vertiginoso movimento de criação. Parecia um berçário, e isso ficou forte dentro do meu corpo.
A trama do espetáculo, que tem direção de Fernanda Silva em parceria com Tereza, acompanha as indagações de uma mulher que não sabe bem por que foi parar, de repente, no meio de uma região de mangue. Afinal, quem é ela? De onde vem? Para onde vai? As perguntas não necessariamente encontram respostas ao longo da história. Até que a personagem sofre uma transmutação.
A metamorfose, a rigor, serve de retrato para a maior qualidade daquele bioma, composto pelo entrecruzamento de mar, rio e terra, como realça Tereza. Em determinado trecho da peça, o público é convidado a sentir parte da textura de tal ecossistema, botando a mão diretamente na argila — e criando o que bem entender a partir desse material.
— Parto do atravessamento constante que compõe esse ambiente do mangue. Está ali um movimento o tempo todo, e é isto o que torna tudo muito interligado: é o olho d’água que chega no oceano, e que é logo misturado pelo lençol freático, que vem lá debaixo do solo — diz a artista. — Existe uma tendência humana de querer dominar isso. É claro que precisamos controlar alguma coisa para podermos sobreviver. Mas essa corrida desenfreada por poder está destruindo nosso ambiente. Não é?

