Após sobretaxa de Trump, Brasil busca parceria com Reino Unido, China e Índia em produtos de saúde
Exportações do setor para os EUA caíram mais de 30% no mês seguinte ao tarifaço
O governo brasileiro tenta compensar as perdas causadas pelo tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, buscando outros compradores e fornecedores de produtos e equipamentos do setor de saúde.
A partir desta quinta-feira (9), o ministro Alexandre Padilha lidera uma missão ao Reino Unido, à China e à Índia em busca de novos mercados. O objetivo é reduzir a dependência do Brasil das importações e exportações com os EUA.
— Nesta missão faremos complementos às parcerias estratégicas com os governos e os ministérios da Saúde desses três países em uma série de contratos e parcerias com o setor privado na lógica de atração de investimentos para o Brasil — afirmou o ministro ao Globo, momentos antes de embarcar para a Inglaterra.
Padilha citou como exemplos o compartilhamento de produção de medicamentos, vacinas e novas técnicas de diagnóstico. Disse que outro objetivo é ampliar a participação e diversificar a atuação junto às universidades e pesquisadores do Reino Unido, da China e da Índia.
—O Brasil está aproveitando essa situação do tarifaço para ampliar parcerias estratégicas para atração de investimentos de produção no mercado brasileiro, de indústrias de vários países do mundo — ressaltou.
A ofensiva diplomática, que só vai terminar no fim da semana que vem, ocorre em um momento em que a indústria nacional de equipamentos médicos sente os efeitos diretos da sobretaxa de 50% imposta pelos EUA em agosto. Segundo levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (Abimo), as vendas para o mercado americano despencaram 30,4% no mês seguinte, alcançando o menor patamar já registrado: US$ 21,2 milhões. Segmentos de maior valor agregado, como odontologia (-93,09%), reabilitação (-85,02%) e equipamentos médicos (-59,94%), foram os mais afetados.
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Enquanto o mercado americano encolhe, a Europa e a América Latina emergem como destinos alternativos. As exportações para o continente europeu cresceram 44,5% no período, com destaque para a Espanha (+632,59%), a França (+238,77%) e a Suíça (+130,72%). O México (+28,34%) e a Bolívia (+56,18%) também ampliaram suas compras.
— A tarifa americana trouxe um impacto imediato e profundo sobre nossas vendas, especialmente nos segmentos de maior valor agregado. Isso evidencia o quanto o Brasil ainda depende de poucos mercados estratégicos — afirmou Larissa Gomes, gerente de Projetos e Marketing da Abimo.
A visita de Padilha também visa atrair investimentos produtivos que permitam ao Brasil produzir localmente medicamentos, vacinas e equipamentos de alta complexidade — áreas em que a dependência externa ainda é considerável. A estratégia do governo inclui incentivar joint ventures com países como China e Índia, para transferir tecnologia e reduzir custos para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Nas importações, a balança segue desfavorável. Os EUA são o terceiro principal fornecedor de produtos de saúde ao Brasil, atrás da Alemanha e da China. Segundo números obtidos pelo Globo junto ao Ministério da Saúde, a liderança alemã se consolidou com vendas de US$ 269,6 milhões no último ano, referentes a 57 produtos diferentes. Os americanos, por sua vez, venderam US$ 172,2 milhões — 48% mais do que em 2023. O país ainda domina segmentos de ponta, como equipamentos de diagnóstico, medicamentos inovadores e imunobiológicos, especialmente voltados à oncologia e às doenças raras.
O desequilíbrio se reflete no superávit americano, que ultrapassou US$ 2,6 bilhões em 2024. Ainda assim, o peso dos EUA nas importações brasileiras do setor caiu de 28% em 1997 para 12% atualmente. A China assumiu a dianteira, respondendo por 19% dos insumos adquiridos.
De acordo com estudo da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina), o cenário pode mudar nos próximos anos: cerca de 1,5 mil patentes de medicamentos expiram até 2030, o que pode aumentar em até 20% a oferta nacional e reduzir custos. Entre os produtos de maior impacto financeiro estão o Trikafta (Vertex), com compras que já superam R$ 700 milhões e patente até 2037; o Romosozumabe (Amgen/UCB Pharma), previsto para 2026; o Tafamidis (Pfizer), com patente até 2035; e os imunobiológicos da AbbVie — Upadacitinibe (2036) e Risanquizumabe (2042).
A agenda prevê uma série de reuniões, incluindo encontros com representantes da Associação Farmacêutica Britânica e com executivos de laboratórios chineses e indianos. De acordo com interlocutores do governo brasileiro, trata-se de um esforço diplomático que pode marcar o início de uma nova política industrial e tecnológica para o setor.
A viagem do ministro da Saúde ocorre em meio a uma crise diplomática com os EUA, que também aplicaram sanções contra cidadãos brasileiros — entre eles, o próprio Padilha e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
No caso de Padilha, as sanções impostas por Washington se referem à criação e à manutenção do programa Mais Médicos, que contou com a contratação de profissionais cubanos durante o primeiro governo Lula. À época, o Departamento de Estado americano classificou o modelo de cooperação com Cuba como “trabalho forçado”, em razão de repasses diretos ao governo de Havana e não aos médicos.
Já Alexandre de Moraes foi incluído na lista de sanções, como o bloqueio de bens nos EUA e a proibição de realizar operações financeiras envolvendo empresas americanas, sob a justificativa de “abuso de autoridade e perseguição política”, segundo a Casa Branca. Donald Trump condicionava uma negociação comercial com o Brasil ao tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a seus aliados durante investigações sobre ataques às instituições democráticas.
Na segunda-feira passada, os presidentes Trump e Luiz Inácio Lula da Silva tiveram uma conversa telefônica que durou meia hora. Bolsonaro não foi citado pelos dois presidentes, que concentraram o diálogo em temas como comércio e economia.

