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ACORDO ECONÔMICO

Lula põe em dúvida acordo UE-Mercosul por resistência de Itália e França

"Se a gente não fizer agora o Brasil não fará mais acordo enquanto eu for presidente", disse Lula

Lula fala em abertura de reunião ministerialLula fala em abertura de reunião ministerial - Foto: Canal Gov/Reprodução

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou em dúvida nesta quarta-feira (17) a assinatura do acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

"Se a gente não fizer agora o Brasil não fará mais acordo enquanto eu for presidente. Faz 26 anos que a gente espera esse acordo, o acordo é mais favorável pra eles do que para nós. Eu agora estou sabendo que eles não vão conseguir aprovar, está difícil porque a Itália e a França não querem fazer por problemas políticos internos", disse Lula durante reunião ministerial.

Mais cedo, a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, afirmou que seu país não está pronto para assinar o amplo acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul.

"Seria prematuro assinar o acordo nos próximos dias (porque algumas salvaguardas que a Itália deseja para proteger seus agricultores) ainda não foram concluídas", declarou Meloni em um discurso no Parlamento.

Contudo, ela afirmou que está "muito confiante" de que as condições existirão para assinar o acordo no início de 2026.

Já o presidente francês, Emmanuel Macron, indicou nesta quarta-feira que a França se oporá "veementemente" à possível adoção do acordo comercial entre UE e Mercosul.

"Se houver uma tentativa por parte das instituições europeias de impô-lo, a França se oporá veementemente", declarou Macron durante uma reunião de gabinete, segundo a porta-voz do governo, Maud Bregeon.

A Comissão Europeia, apoiada pela Alemanha, a maior economia europeia, tenta obter o respaldo dos países da UE antes do fim do ano para o acordo com o Mercosul, integrado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Na terça-feira, o presidente Lula pediu que Macron e Meloni 'assumam a responsabilidade' e deem aval ao acordo Mercosul-UE. A assinatura do acordo estava prevista inicialmente para acontecer durante a cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, no próximo sábado, em Foz do Iguaçu, no Paraná.

O pacto criaria a maior zona de livre comércio do mundo e permitiria à UE exportar mais veículos, máquinas, vinhos e bebidas alcoólicas para a América Latina, ao mesmo tempo que facilitaria a entrada de carne, açúcar, arroz, mel e soja sul-americanos na Europa.

Alguns países, como Espanha e Alemanha, pressionam por uma aprovação rápida, mas a França expressou preocupação com o impacto sobre seu setor agrícola e quer adiar a votação para 2026.

Em uma mensagem antes da reunião do Conselho Europeu, na quinta e sexta-feira em Bruxelas, a primeira-ministra declarou que a Itália tem "trabalhado intensamente com a Comissão" em suas demandas.

As medidas desejadas por Roma incluem mecanismos de salvaguarda, um fundo de compensação e mais regulamentações sobre pragas e doenças.

"Todas as medidas, embora tenham sido apresentadas, não foram totalmente concluídas. Portanto, acreditamos que assinar o acordo nos próximos dias, como foi sugerido, ainda é prematuro", afirmou.

Giorgia Meloni explicou que isso "não significa que a Itália pretende bloquear ou rejeitar o acordo em seu conjunto".

"Estou muito confiante de que, no início do próximo ano, todas as condições serão atendidas", completou.

Ouvidas pelo jornal Financial Times, autoridades em Bruxelas, Roma e outras capitais sugerem, no entanto, que a relutância de Giorgia Meloni em mostrar suas cartas antes da cúpula de quinta-feira esconde seu verdadeiro objetivo: usar a ameaça de oposição para obter concessões não relacionadas da Comissão.

De acordo com o FT, dois funcionários informados sobre as discussões entre Bruxelas e Roma disseram que a Itália buscava benefícios adicionais do orçamento comum da UE, incluindo agrados ao setor agrícola do país.

A reportagem do jornal britânico acrescenta que a Confindustria, a principal associação industrial da Itália, deseja que o acordo de livre comércio seja aprovado rapidamente para impulsionar as exportações do país. Já o Coldiretti, um influente lobby do agronegócio, exige mudanças no tratado para proteger melhor contra uma temida onda de importações latino-americanas mais baratas.

Oposição de produtores rurais europeus
A principal oposição ao tratado de livre-comércio é dos produtores rurais europeus, especialmente franceses, que alegam que não terão como competir com os importados sul-americanos caso o acesso ao mercado da Europa seja facilitado, por tarifas menores e retirada de barreiras.

Macron está sob pressão para suspender a assinatura do acordo comercial em meio à crescente insatisfação e aos protestos de agricultores devido à forma como a Dermatose Nodular Contagiosa (DNC) bovina está sendo tratada.

"Emmanuel Macron deve usar toda a sua influência para impedir a implementação do Mercosul", afirmou Laurent Wauquiez, líder parlamentar do partido Os Republicanos, de direita, nesta quarta-feira.

A classe política francesa se opõe unanimemente ao acordo em sua forma atual.

Também nesta quarta-feira, o líder do principal sindicato agrícola, o FNESA, Arnaud Rousseau, pediu ao presidente francês que "vote não" caso o acordo seja colocado em votação na quinta-feira durante a cúpula regular de fim de ano do bloco europeu, em Bruxelas, quando se espera uma manifestação de 10 mil agricultores.

Se, apesar de tudo, o tratado for assinado, "convocaremos uma mobilização" para "bloquear rodovias, monitorar as importações nos portos e alertar a população", advertiu Rousseau.

Posição da França contra o acordo é antiga
A objeção da França ao acordo é antiga e, por isso, a Itália acabou se tornando uma espécie de fiel da balança. Isso porque, pelas regras da UE, as deliberações do Conselho Europeu exigem simultaneamente os votos favoráveis de ao menos 15 dos 27 países. Além disso, as 15 nações têm que responder por 65% ou mais da população total do bloco.

A Itália é o terceiro país mais populoso da UE e, nos últimos meses, vinha dando sinais contraditórios sobre seu apoio ao acordo de livre-comércio.

Outros grandes países europeus, como Alemanha e Espanha, se opõem ao adiamento do acordo, assim como Portugal, Irlanda e Grécia. Hungria e Polônia se opõem ao tratado. Irlanda e Holanda, apesar de no passado terem mostrado objeção, não declararam ainda oficialmente sua posição atual. A Bélgica deve se abster.

Na terça-feira, o Parlamento europeu aprovou medidas de proteção para os agricultores europeus no âmbito do acordo com o Mercosul com parâmetros mais rígidos do que os originalmente propostos pela Comissão Europeia. O endurecimento das regras foi visto como uma tentativa de vencer as resistências francesas e sobretudo italianas ao acordo.

Foram criados mecanismos de salvaguardas que restringem as importações de produtos agrícolas em três casos: se os preços do Mercosul forem pelo menos 5% mais baixos do que os dos concorrentes da UE; se esses preços caírem acima de 5% ante os valores cobrados no ano anterior; ou se houver um aumento superior a 5% no volume das importações anuais de um produto do Mercosul. As variações, na proposta original da Comissão Europeia, eram de 10%.

A não assinatura do acordo até o fim deste ano corre o risco de desfazer anos de trabalho, alertaram autoridades europeias. Chipre e Irlanda — os próximos países a assumir a presidência rotativa da UE — podem estar menos dispostos do que a Dinamarca, país da atual presidente do bloco, Ursula von der Leyen, para levar o acordo adiante. Adiar para janeiro, na prática, pode significar enterrar o acordo.

O calendário político no Brasil adiciona outra camada de risco. A eleição presidencial no próximo ano poderia mudar a posição do país, principalmente se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um forte defensor do acordo, não conseguir se reeleger.

O pacto visa a criar um mercado integrado de aproximadamente 780 milhões de consumidores, oferecendo um impulso ao combalido setor industrial europeu e à vasta indústria agrícola do Mercosul.

O acordo ajudaria ambas as regiões a reduzir sua dependência dos Estados Unidos após a imposição, pelo presidente americano Donald Trump, de tarifas globais designadas a remodelar o comércio em favor dos EUA.

O acordo também reforçaria a presença da UE numa região onde a China se tornou um fornecedor industrial dominante e a principal compradora de commodities.

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