Luz, gás e remédio substituem comida como vilões da inflação
Para os analistas, esse aumento já tem tido impacto direto para o consumidor
Se no ano passado os aumentos expressivos dos alimentos no domicílio pesaram no bolso dos brasileiros, sobretudo para as famílias mais pobres, os preços administrados tendem a ser os maiores vilões da inflação neste ano.
Segundo análise do grupo de conjuntura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a inflação pelo IPCA deve encerrar o ano com alta de 5,3% -acima do teto da meta, de 5,25%. Boa parte da aceleração deve se dar pelos preços administrados, que têm alta esperada de 8,4%.
Fazem parte dos itens com preços administrados impostos e taxas, serviços de utilidade pública com tarifas reguladas (telefonia e energia elétrica), derivados de petróleo e medicamentos, por exemplo.
Ainda que essa pressão já fosse esperada, ao considerar os reajustes que foram represados no ano passado, essa alta tem surpreendido os analistas.
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De acordo com dados divulgados pelo IBGE nesta terça-feira (25), o IPCA-15 de maio, prévia da inflação, teve como destaque a alta de 2,31% da energia elétrica, levando o grupo da habitação a subir 0,79%, vindo de 0,45% no mês anterior, depois da adoção da bandeira tarifária vermelha (mais alta) no mês.
Também se destacou no grupo o 12º mês consecutivo de avanço do gás de botijão, de 1,45%, embora abaixo da taxa de 2,49% no mês anterior, o que tem impedido um número de crescente de famílias de consumir o produto.
Para os próximos meses, embora não se descarte uma desaceleração da inflação dos combustíveis, deve ocorrer tanto o reajuste nas tarifas de transporte público quanto uma alta mais expressiva da energia elétrica, o que deve elevar os preços monitorados.
Para a pesquisadora do Ipea Maria Andreia Lameiras, tudo indica que os administrados serão mesmo os vilões da inflação neste ano. "Uma série de preços não foram reajustados no ano passado, e todo o mundo sabia que isso iria estourar em 2021. O que surpreende é a força desse aumento. Pelos quatro primeiros meses do ano, a inflação veio quase toda dos administrados."
O cenário tem motivado uma revisão para cima da inflação, e o mercado também alterou para cima a previsão para o IPCA em 2021. Pelo mais recente boletim Focus, do BC, a mediana passou de 5,01% (há um mês) para 5,24%.
No caso da gasolina, lembra a economista do Ipea, a alta se deve ao preço do barril de petróleo e à desvalorização cambial no começo do ano. Também não se esperavam um impacto tão forte do preço dos medicamentos e um cenário negativo para a conta de luz.
Para a energia, além da pandemia, um agravante tem sido o baixo índice de chuvas, com reservatórios baixos, o que deve levar a um número maior de meses de bandeira vermelha.
Ainda que não afetem na mesma proporção que a alimentação em domicílio no ano passado, os administrados devem ser vilões, concorda Fábio Romão, analista da LCA Consultores. A expectativa da consultoria é de alta de 8,5% para estes itens no IPCA este ano.
"Além dessa alta de monitorados, os preços industriais e de serviços devem contribuir para que o IPCA fique em 5,5% neste ano", diz Romão.
Para os analistas, esse aumento já tem tido impacto direto para o consumidor, que deve reduzir o consumo de energia e de gás de cozinha. "A inflação corrói o poder de compra da população. Se eu gasto mais com algum item e o meu salário já está muito comprometido, a alternativa é deixar de consumir outro produto. Se a conta de energia sobe, é uma compra a menos de roupa ou de um calçado que a família faz", diz a pesquisadora do Ipea.
Quanto ao transporte público, o reajuste de tarifas deve ser inevitável, já que a demanda caiu muito durante a pandemia e mais companhias de ônibus passaram a operar no vermelho.
Para os próximos meses, como boa parte das altas de preços monitorados já aconteceu no começo do ano, os economistas esperam uma alta mais suave. A partir do meio do ano, o que deve acelerar é a inflação de serviços, principalmente itens de cuidados pessoais (cabeleireiro, manicure), recreação, viagens e hospedagem, que foram muito afetados durante a pandemia.
A expectativa do Ipea é de alta da curva de 12 meses da inflação até julho. Como as taxas foram muito baixas no primeiro semestre de 2020 e maiores no começo de 2021, no meio deste ano deve haver o pico da curva.
Quanto ao custo da alimentação no domicílio, os analistas estimam que os preços das commodities não devem subir de forma significativa além dos níveis atuais, o que, ao lado de um comportamento mais favorável da taxa de câmbio, deve reduzir a pressão sobre os custos domésticos, após um aumento de 18,15% em 2020.
"Estamos tendo uma acomodação da demanda, uma safra melhor, com mais oferta de alimentos. O descasamento entre oferta e demanda para 2021 vai ser menor", avalia a economista do Ipea.
Para os preços dos alimentos no domicílio, a instituição estima uma inflação de 5%. Em relação aos serviços, a estimativa é de 4%.

