Sex, 05 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
Chocolate

Marcas brasileiras querem desbancar preferência por chocolate importado

Feito de cacau nativo, esse chocolate conta com uma produção que passa por processos de qualidade

chocolatechocolate - Foto: Congerdesign/Pixabay

Chocolates finos suíços, belgas e italianos começam a ganhar uma concorrência sólida nas prateleiras de grandes redes de supermercados e empórios: a dos tabletes produzidos no Brasil.

Feito de cacau nativo, esse chocolate conta com uma produção que passa por processos de qualidade, tem preocupação socioambiental e é acompanhada em todas as etapas, da amêndoa à barra.

"É um mercado que vem crescendo muito no país. A questão é que agora estamos valorizando a produção de um cacau de qualidade, que antigamente era exportado. O processo é parecido com o qual o grão de café especial brasileiro passou", diz Luiz Araujo, gerente acadêmico da Universidade Anhembi Morumbi.

Recém-chegada ao mercado, a Danke inaugurou uma fábrica no Pará em agosto com capacidade de produção de mil toneladas ao mês. A marca aposta em um modelo de venda baseado no varejo, sem lojas próprias. Até agora, negociou sua distribuição na Casa Santa Luzia, St Marche e Natural da Terra, em São Paulo, nas lojas do Zaffari do Rio Grande do Sul e na rede Hortifrúti, no Rio de Janeiro.

"Estamos muito otimistas para o fim do ano, com perspectiva de entrada de mais parceiros, e também para ano que vem, com projeção de faturamento de R$ 20 milhões", diz Ernesto Neugebauer, 63, proprietário. A caixa da marca com três barras de chocolate lançada para o Natal custa R$ 49,90 (270 g).

A empresa escolheu instalar sua fábrica no Pará para manter uma relação próxima com produtores e garantir a rastreabilidade do ingrediente. Segundo Ernesto, o principal desafio do negócio é a compra de cacau de qualidade, com fruto que foi colhido maduro, teve secagem uniforme e fermentou com cuidado.

"Trabalho com 300 produtores e preciso que eles tenham excelência agrícola. Hoje, quem cultiva cacau está voltado para a grande indústria. Queremos que esse produtor seja igual ao de uva para a produção do vinho. O cacau é ainda é o primo pobre entre os produtores", diz Ernesto.

Depois de ter vendido em 2015 a Harald, marca de chocolate que atendia à indústria, por R$ 840 milhões, o empresário decidiu retornar ao ramo com a motivação de fabricar chocolate de qualidade e em alta escala -e, assim, atingir um consumidor não especializado.

"Quando começou essa moda de chocolate belga, fiquei muito frustrado. Se tem uma coisa que não consigo engolir é gente enchendo a mala de chocolate na viagem de volta Europa quando podemos produzir um chocolate de qualidade aqui", diz o empresário, que começou a trabalhar no segmento aos 18 anos na fábrica fundada pelo avô em 1903, a Neugebauer, em Porto Alegre (RS).

Outra preocupação da Danke é a responsabilidade social: para serem parceiros da marca, agricultores têm que provar que os filhos estão na escola e com a carteira de vacinação em dia, entre outras obrigações.

Para Luiz Araujo, da Anhembi Morumbi, essa demanda também vem de consumidores, mais sensíveis à histórias da relação entre a indústria de chocolate, trabalho infantil e destruição de florestas -a situação é tema, por exemplo, em um episódio da série documental "Rotten", da Netflix.

A ideia de enfatizar a relação com quem cultiva o cacau também é uma das frentes da Dengo, marca de chocolates brasileiros que existe desde 2017. Em novembro, a empresa inaugurou a Fábrica de Dengo -uma estrutura de 1.500 m² e quatro pavimentos na avenida Faria Lima, em São Paulo- que tem como ideia mostrar ao visitante como o chocolate é feito.

"Temos um olhar social para promover produtores. Mas, se nosso chocolate for muito 'nichado', ele não permite impacto. Há um ponto de equilíbrio combinando a saúde, o sabor e o preço sem abrir mão dos produtores", diz Estevan Sartoreli, 39, cofundador da marca, ex-gerente de marketing da Natura.

Para chegar a esse ponto de equilíbrio, a estratégia da empresa foi se verticalizar, assumindo etapas que, em geral, são comandadas por diferentes elos na grande indústria -como cultivo, o processamento da amêndoa, a produção e distribuição do chocolate e a venda no varejo.

Hoje, o consumidor que visita uma das 19 lojas da Dengo -a maioria em shoppings, em cidades como São Paulo, Curitiba e Brasília- tem como tíquete médio R$ 80.

"As marcas de chocolate [premium] que chegam ao Brasil não são plantadoras de cacau. Mas nós somos um país que planta e que tem um mercado consumidor relevante. Queremos dizer ao consumidor: 'Dengo é daqui com muito gosto'", diz ele.

Além da atenção à qualidade e ao impacto social, o consumidor também começa a entender as diferenças de terroir do cacau produzido no Brasil, diz Juliana Aquino, 55, dona da marca de chocolate Baianí.

Ela integra o movimento de produtores chamado bean to bar (na tradução, da amêndoa à barra), que se destaca por um maior domínio do processo, do cultivo até a produção. Podem existir discordâncias na definição do chocolate bean to bar, mas a ideia segue alguns pilares, diz ela, que é presidente da Associação Bean to Bar Brasil.

"Um deles é a sustentabilidade. E, o outro, a técnica, que sempre parte da amêndoa integral do cacau e tem todo o processo de produção feito em um local só, sem adição de essências ou aromatizantes", diz.

No Brasil, são cerca de 150 marcas com esse perfil. "Hoje, o consumidor do chocolate bean to bar entende que existem nuances que são geradas pelo processamento artesanal. Agora, essa conversa começa a chegar num consumidor que é menos especializado", afirma.

Veja também

Newsletter