Obsessão de Trump por déficit comercial "é totalmente tola", diz economista de Harvard
Para Dani Rodrik, de Harvard, estratégia de impor tarifaço global é equivocada
Por trás da decisão do presidente Donald Trump de impor tarifas severas a alguns dos maiores parceiros dos Estados Unidos está a sua obsessão no déficit comercial que seu país tem com outras nações. Mas muitos economistas afirmam que esse é um indicador ruim para avaliar a qualidade de uma relação comercial.
As tarifas elevadas, que entraram em vigor para quase 60 parceiros comerciais na quarta-feira, foram calculadas com base nos déficits comerciais bilaterais, ou seja, a diferença entre o que os Estados Unidos vendem para cada país e o que compram.
Trump há muito tempo vê essa diferença como uma prova de que os EUA estão sendo “explorados” por outros países. Ele argumenta que o comportamento injusto de outras nações tornou o comércio tão desequilibrado e que os EUA precisam ser capazes de fabricar mais do que consomem. No entanto, os economistas dizem que essa é uma abordagem equivocada, pois os déficits comerciais bilaterais surgem por diversos motivos além de práticas comerciais desleais.
— É totalmente tolo — disse Dani Rodrik, economista da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, especializado em globalização, sobre o foco de Trump nos déficits bilaterais. — Não há outra forma de dizer, isso não faz sentido.
Leia também
• Trump triplica tarifas sobre pequenos pacotes chineses
• China tenta imunizar sua economia contra as tarifas de Trump
• Trump diz que taxará medicamentos importados: "Vamos tarifar produtos farmacêuticos"
Alguns economistas concordam com o governo Trump que o déficit comercial dos EUA com o resto do mundo reflete um problema para a economia americana, pois o país depende excessivamente da produção industrial estrangeira, especialmente da China. Mas outros não veem isso como um problema.
E, em ambos os grupos de economistas, há quase uma unanimidade na análise de que por o foco apenas no déficit comercial pode ser altamente enganoso.
No ano passado, por exemplo, os Estados Unidos tiveram superávits comerciais bilaterais com 116 países em todo o mundo e déficits comerciais bilaterais com 114 países, segundo dados do Banco Mundial.
Muitas vezes, essas relações simplesmente refletem o fluxo do comércio, sem necessariamente indicar algo sobre as práticas comerciais de um país.
Matthew Klein, que escreve sobre economia para The Overshoot, aponta que os Estados Unidos têm superávits comerciais substanciais com a Holanda e Cingapura, destacou Klein. Mas isso não acontece porque os holandeses e os cingapurianos consomem mais produtos americanos do que outros países.
Isso ocorre porque esses países abrigam portos importantes que importam produtos americanos. A Holanda descarrega mercadorias dos EUA em seus portos e as distribuem por toda a Europa para outros consumidores, enquanto Cingapura faz algo semelhante na Ásia. No entanto, um déficit comercial é calculado com base no primeiro país que recebe a mercadoria, não no seu destino final.
Sem considerar se produto é estratégico
Os economistas também criticaram as tarifas de Trump por atingirem todos os fluxos comerciais estrangeiros indiscriminadamente, sem considerar o quão estratégico é o produto para os EUA ou se o país pode realmente fabricá-lo.
O foco de Trump nos déficits bilaterais fez com que até aliados próximos dos EUA, como Canadá, México e países da Europa, fossem considerados adversários no comércio, simplesmente porque vendem mais aos EUA do que compram.
A Suíça também acabou enfrentando tarifas elevadas, em parte porque exporta muito ouro para os Estados Unidos. O mesmo aconteceu com o pequeno Lesoto, onde a renda anual média é de US$ 3.500. Lesoto recebia tratamento preferencial sob uma legislação aprovada em 2000 e fabrica jeans para os americanos.
'Aparência científica a abordagem inventada'
As tarifas de Trump são calculadas por uma fórmula simples: dividir o déficit comercial dos EUA com cada país pelo valor das importações americanas desse país. Isso significa que, até que as importações e exportações dos EUA com todos os países se equilibrem, outras nações continuarão enfrentando tarifas adicionais, independentemente de fornecerem tecnologia avançada, brinquedos, grãos de cacau ou milho aos EUA.
Mary Lovely, pesquisadora sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional, disse que essa fórmula “dá uma aparência científica ao que é essencialmente uma abordagem inventada”. Segundo ela, a fórmula faz suposições completamente irreais, como a ideia de que a demanda do consumidor americano reage da mesma forma a todos os tipos de importação.
— Essa resposta não pode ser a mesma para todos os bens de todos os países — disse ela. — Como os EUA responderão a tarifas mais altas sobre cacau e borracha natural da Costa do Marfim? Da mesma forma que responderiam a tarifas mais altas sobre máquinas da Europa?
Os assessores de Trump defenderam sua metodologia. Stephen Miran, presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, disse que o presidente “há décadas tem sido claro ao afirmar que os déficits comerciais bilaterais são um grande problema para os americanos.”
Miran argumentou que o déficit comercial pode ser um “indicador das políticas econômicas que causam déficits persistentes”. Ele afirmou que o governo fez muitas análises e que Trump decidiu que essa abordagem “era a mais justa para os trabalhadores americanos.”
A administração Trump também vê o foco nos déficits bilaterais como uma forma de abordar a questão das mercadorias chinesas que chegam aos EUA por meio de outros países. Após Trump impor tarifas à China em seu primeiro mandato, muitas fábricas mudaram para outros países para evitar as tarifas, mas continuaram a depender de peças, matérias-primas e tecnologia chinesas.
Com a nova fórmula tarifária de Trump, os países que receberam essas fábricas e viram seus superávits comerciais com os EUA crescerem nos últimos anos serão duramente atingidos.
— O comércio global está tão integrado que os países têm conseguido mover mercadorias por terceiros para entrar no nosso mercado — disse Mark DiPlacido, assessor de políticas da American Compass, um think tank econômico conservador.
À medida que o déficit comercial bilateral dos EUA com a China diminuiu, o déficit com outros países do Sudeste Asiático aumentou.
— Então, não basta mais apenas mirar na China. Se quisermos ver o déficit comercial geral diminuir, é necessário estabelecer essa linha de base global — argumenta DiPlacido.
'Eles estão focando no problema errado'
O governo Trump pode estar certo ao afirmar que, em alguns casos, barreiras comerciais impostas por outros países limitaram as exportações americanas, exacerbando os déficits comerciais.
Além disso, muitos países, especialmente na Ásia, subsidiam suas indústrias, permitindo que vendam mercadorias a preços muito mais baixos. Isso torna inviável a produção de bens semelhantes nos EUA e faz com que os déficits comerciais americanos com esses países aumentem.
Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim e especialista no assunto, disse que as novas tarifas podem alterar os fluxos comerciais entre alguns países, mas não necessariamente mudarão o tamanho do déficit comercial total dos EUA.
— Eles estão focando no problema errado: os déficits bilaterais — afirmou Pettis.
Ele vê o déficit comercial geral dos EUA com o mundo como um problema porque significa que a demanda americana por bens está sustentando a indústria em outros lugares, como na China, em vez de dentro dos EUA. No entanto, ele insiste que os déficits comerciais que os EUA têm individualmente com outros países nem sempre refletem esse problema, e que tarifas não necessariamente irão resolvê-lo.
Segundo ele, políticas governamentais na China, Alemanha, Coreia do Sul e Taiwan impulsionam grandes superávits comerciais. Como todo superávit precisa de um déficit correspondente, isso acaba inflando o déficit comercial dos EUA. Sem mudanças econômicas mais amplas na China e em outros países, esses problemas continuarão, argumenta Pettis:
— Existe um problema sério. Mas não estamos vendo a melhor solução para esse problema.
Sem relação entre superávit e sucesso econômico
Outros economistas contestam até a ideia de que ter um déficit comercial geral é um problema para os EUA. Eles afirmam que fatores como gastos do governo americano e fluxos de investimento são os verdadeiros impulsionadores do déficit comercial dos EUA, e que as tarifas de Trump podem reduzi-lo apenas à custa de prejudicar a economia americana e afastar investidores, minando a confiança no dólar e nos mercados dos EUA.
Rodrik, o economista de Harvard, disse que “não há absolutamente nenhuma relação entre o déficit comercial de um país e seu desempenho econômico.” Ele destacou que tanto a Venezuela quanto a Rússia possuem superávits comerciais.
— Os Estados Unidos realmente querem ser uma Venezuela ou uma Rússia?

