Taxação do Brasil: Misturar política com tarifas representa risco ao Estado de Direito, diz jurista
Especialistas dos EUA afirmam que Lei de Emergência não permite ao Executivo implementar tarifas comerciais
O uso de medidas tarifárias por motivações políticas coloca em risco o estado democrático de direito, além de não ser uma ferramenta prevista na Lei de Emergência americana, afirmam especialistas dos Estados Unidos ao Globo.
O anúncio do decreto que estabelece taxação em 50% de produtos brasileiros — ainda que com uma lista de exceções — demonstra, na visão de advogados americanos, a ilegalidade da regra evocada por Donald Trump para justificar sua política comercial.
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No decreto divulgado na quarta-feira (30) pela Casa Branca, a lista de justificativas para a taxação do Brasil está embasada em supostas violações a direitos e liberdades de expressão de empresas e cidadãos americanos, além de uma “perseguição” do judiciário brasileiro ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
— Isso (o decreto) apenas reforça ainda mais a incrível amplitude do poder que Trump reivindica sob a Ieepa (Lei de Emergência) e a natureza ilegal de suas ações. A acusação contra Bolsonaro obviamente não constitui uma ameaça incomum e extraordinária... à segurança nacional, à política externa ou à economia dos Estados Unidos — afirma Ilya Somin, jurista e professor professor de Direito George Mason University.
Somin é um dos apoiadores de uma ação movida por cinco pequenas empresas dos EUA e à qual foram apensados processos iniciados por 12 estados americanos, argumentando que a Lei de Poderes Econômicos Internacionais de Emergência Nacional de 1977 (Ieepa, na sigla em inglês), citada por Trump como embasamento legal par a adoção de tarifas sobre importações de parceiros internacionais, não pode ser usada com este fim.
No fim de maio, a Justiça americana decidiu em favor do caso e as tarifas anunciadas por Trump no início de abril foram suspensas. O governo dos EUA, no entanto, recorreu.
Nesta quinta-feira, uma audiência foi realizada em um tribunal recursal federal, em Washington, para ouvir as partes sobre o caso. Ainda não há prazo para a divulgação da decisão do painel de magistrados. Cabe recurso à Suprema Corte, o que pode fazer o processo se estender por meses.
Também Daniel Cannistra, sócio do escritório de advocacia Crowell & Moring, vai nessa direção:
— Como todas as outras tarifas impostas com base na Ieepa, esta também é ilegal — disse, frisando que dois tribunais americanos já ratificaram isso.
‘Razões absurdas’
Na avaliação de Somin, Trump não pode impor tarifas por “razões completamente absurdas” como as apresentadas no decreto. Ou isso significaria que o republicado estaria autorizado a recorrer à Ieepa para impor medidas contra qualquer nação por qualquer motivo.
Na prática, essa interpretação dada à Lei de Emergência resulta em “delegação ilimitada e inconstitucional de poder legislativo ao Poder Executivo”.
Em artigo divulgado na terça-feira, o jurista vai além. “A tentativa do presidente de usar a política tarifária para punir o Brasil por processar um de seus aliados políticos destaca a ameaça que a autoridade tarifária ilimitada do Executivo representa para o Estado de Direito”, frisou ele.
Nesse sentido, ele reforça que políticas tarifárias têm de ser baseadas em regras claras e estáveis, que não variem segundo “caprichos de uma única pessoa” e que não possam ser usadas para “punir os inimigos políticos do presidente ou recompensar seus aliados”.
Para Ilya Somin, “a apropriação do poder tarifário por Trump é um enorme passo em direção à substituição do Estado de Direito na política comercial pela regra unilateral de um único homem.
O decreto americano cita ainda a conduta do Brasil em relação a grandes plataformas de tecnologia como uma motivação à adoção de tarifas pelos EUA. Para isso, o governo americano está recorrendo à Seção 301, que pede, no entanto, uma investigação para apurar se há práticas ou leis no Brasil que poderiam estar sendo prejudiciais a big techs americanas.
— A questão da censura nas redes sociais é uma reclamação mais substancial. Mas ainda assim não é uma “ameaça incomum e extraordinária”, pelo menos não à segurança nacional ou à economia dos EUA, as operações brasileiras das empresas americanas de redes sociais não são um componente significativo de nenhum desses três fatores — frisa Somin.
Para Cannistra, decisões relacionadas às big techs dependem de processo específico:
— Nenhum processo significativo foi conduzido nesse sentido, portanto isso também não constitui uma base legal para as novas tarifas.

