Biomassa: estratégia na transição energética
Desenvolvida a partir de matéria orgânica renovável, a biomassa destaca-se como potencial matéria-prima substituta para produtos de origem fóssil
Quase um terço da oferta interna de energia do Brasil é representado pela biomassa, o que a torna a segunda maior fonte da matriz energética, atrás apenas do petróleo e seus derivados. Tal posição demonstra o papel estratégico do recurso na transição energética, especialmente por ser uma fonte renovável, abundante e possuir alto grau de produtividade nacional, acima da média mundial.
Segundo o Balanço Energético Nacional 2025, ano-base 2024, divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a biomassa - somando suas variações - representa 33,3% da matriz energética brasileira. Dados da Agência Internacional de Energia (IEA) apontam que, em nível global, ela representa apenas cerca de 10% da produção de energia.
Desenvolvida a partir de matéria orgânica renovável, seja de origem vegetal ou animal, a biomassa é essencialmente constituída de compostos ricos em carbono, hidrogênio e oxigênio, destacando-se como potencial matéria-prima substituta para produtos de origem fóssil. Além disso, apresenta a vantagem de consumir carbono atmosférico durante a produção agrícola, graças à fotossíntese, fazendo com que a liberação de CO2 durante seu uso não represente uma adição líquida desse gás de efeito estufa na atmosfera, por fazer parte de um processo cíclico de regeneração e consumo.
O principal tipo de biomassa utilizado no Brasil é a da cana-de-açúcar, que corresponde a 16,7% da oferta interna de energia, incluindo o etanol e outros derivados. Em seguida, vem a lenha e carvão vegetal (8,5%), além de licor preto e outras renováveis, incluindo biodiesel e biogás, que juntos chegam a 8,1%.
VERSATILIDADE
A cana-de-açúcar é um bom exemplo dessa versatilidade. Após a moagem para a extração do caldo que pode ser utilizado na produção de açúcar ou etanol, o resíduo fibroso que sobra (o bagaço) sofre combustão nas caldeiras das indústrias e o calor gerado é utilizado para a produção de vapor e bioeletricidade.
Para o Grupo EQM, a biomassa da cana tem uma importância estratégica. “Gera toda a energia necessária para os processos de produção das usinas do Grupo, e ainda produz excedente que abastece o sistema energético integrado do País. É um dos poucos setores [o sucroalcooleiro] do planeta que é autossustentável e autossuficiente em energia elétrica, ainda sequestrando CO2 da atmosfera”, diz Paulo Júlio de Mello, diretor de Novos Negócios.
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A EPE aponta que, embora as biomassas predominantes no Brasil sejam aquelas conhecidas como de primeira geração (oriundas de culturas alimentares, como milho, soja e cana-de-açúcar), outras opções surgem com elevado potencial de aproveitamento energético. Alguns exemplos são os resíduos agrícolas e florestais, como casca de arroz, palha de milho, cavaco de madeira e bagaço de cana, para uso em caldeiras, fornos e até mesmo para obtenção de etanol de segunda geração. Também chama atenção a utilização de resíduos urbanos - restos de alimentos e esgoto, por exemplo -, para geração de biogás e biometano.
INOVAÇÃO
Algumas soluções inovadoras ganham destaque. Em junho deste ano, o Instituto Senai de Inovação em Biomassa, localizado em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, conquistou a patente de um biocombustível sustentável desenvolvido pela instituição a partir de plantas aquáticas. “A gente utiliza um processo chamado pirólise - decomposição de matéria orgânica através do calor, na ausência de oxigênio -, para gerar um bio-óleo das macrófitas aquáticas. Ele passa por outro processo de refinamento e pode ser utilizado individualmente ou misturado a um combustível fóssil”, afirma Paulo Renato dos Santos, que liderou a pesquisa do ISI Biomassa.
A biomassa tem virado tendência no mercado de hidrogênio verde, mostrando-se uma alternativa viável à eletrólise, que enfrenta barreiras estruturais como a falta de infraestrutura de transmissão e abastecimento de água. Segundo Gustavo Pires da Ponte, consultor técnico da EPE, tanto biomassas de primeira quanto de segunda geração constituem possíveis matérias-primas para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono, sendo que as de segunda geração apresentam uma alternativa potencialmente mais favorável para este fim, por não competirem em mercados de maior valor agregado.
“Atualmente, grande parte da produção de H2 é oriunda de fontes fósseis, especialmente do gás natural. Desta forma, para atingir as metas de descarbonização, é crucial o desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias que promovam a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono, de forma competitiva e em grande escala. Isso surge como uma tarefa importante da transição energética, e a obtenção a partir de biomassa se mostra uma alternativa possível”, comenta Gustavo.
FUTURO
O uso da biomassa ganha impulso ainda maior a partir de demandas nacionais, como a Lei do Combustível do Futuro, e internacionais, incluindo iniciativas globais para reduzir as emissões de gases do efeito estufa nos setores da aviação e do transporte marítimo.
“O diesel verde encontra-se em processo de regulamentação. O bioquerosene de aviação também desponta como uma opção para o futuro, dados os acordos internacionais, como o CORSIA (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), aprovado pela ICAO (International Civil Aviation Organization)”, elenca Gustavo.
Os desafios operacionais na geração de bioenergia no Brasil envolvem fatores como a logística de coleta e transporte da biomassa, especialmente em regiões distantes dos centros consumidores, e a necessidade de políticas públicas consistentes. “A legislação é um dos principais gargalos para que investimentos fortes em tecnologia venham. Neste ponto, a aprovação da Lei do Combustível do Futuro (Lei nº 14.993/24), no ano passado, veio acelerar o uso da biomassa para a produção de combustíveis e outros ativos”, analisa Leandro da Conceição, coordenador de planejamento e novos negócios do ISI Biomassa.
OFERTA
A publicação do Balanço Energético Nacional 2025 revela que a biomassa foi responsável por 8,1% da oferta de energia elétrica em 2024 (crescimento de 7% se comparado ao ano anterior), contribuindo para o caráter renovável da matriz elétrica, cujas fontes renováveis representaram 88,2%. Na matriz energética, que agrega todas as fontes de energia utilizadas para diversos fins, a biomassa participou com 1/3 da oferta, com destaque para a biomassa de cana, lenha, carvão vegetal e licor preto.
O novo marco regulatório, associado a outros investimentos do Governo Federal, mostra que a estratégia de transição energética brasileira está atrelada à expansão da biomassa.
“A contribuição expressiva da bioenergia resulta na matriz energética mais limpa entre os países do G20”, ressalta o consultor técnico da EPE, Gustavo Pires da Ponte.


