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O segundo cérebro: as conexões entre o intestino e a saúde plena

O intestino só realiza o processo digestivo devido a orientações nervosas que exigem um altíssimo grau de complexidade. Atua também como uma barreira funcional de proteção

Com até 500 milhões de neurônios no sistema nervoso entérico, o intestino é conhecido como o  "segundo cérebroCom até 500 milhões de neurônios no sistema nervoso entérico, o intestino é conhecido como o "segundo cérebro - Foto: Freepik

Um dos órgãos mais complexos do corpo humano, que cumpre diversas funções importantes, desde o processo digestivo, passando pela produção hormonal e também atuando no sistema imunológico, o intestino é peça fundamental no funcionamento de todo o organismo, inclusive, possuindo relação direta com nossa saúde mental. 

Diante de tantas atribuições, fica claro que ter um intestino saudável é um fator fundamental para o bem-estar e o cuidado integral da saúde. Para ser possível compreender toda sua totalidade, é necessário destrinchar sua composição interna.

Os seres humanos cresceram em íntima associação com micro-organismos, sejam bactérias, fungos ou vírus. Esse conjunto, chamado de microbiota, pode habitar em todo o corpo humano, incluindo o sistema digestório. 

"Depois do cérebro, o intestino e a medula são onde encontramos mais neurônios", afirma o gastroenterologista Gustavo Lima - Foto: Arthur Botelho/Folha de Pernambuco 

Composição
A microbiota intestinal é a maior concentração desses microorganismos no corpo, com um número de células equivalente ao total das células humanas e com mais de 230 milhões de genes. Aliás, todos os indivíduos possuem uma combinação única e particular de micróbios no intestino, assim como as impressões digitais. 

A função primária desse órgão é absorver nutrientes para que o organismo possa produzir energia. Esse processo basicamente acontece ao longo dos seis metros do intestino delgado, enquanto o intestino grosso, com um metro e meio, fica com a responsabilidade de absorver a maior parte de água.  

Quando o intestino funciona de maneira ideal, os alimentos percorrem todo o sistema gastrointestinal dentro de uma velocidade metabólica ideal. Este processo depende de diversos fatores, podendo levar de 12 a 72 horas. 

Conexões 
Para que todo esse processo digestivo seja propriamente realizado, o tubo digestivo precisa ser contraído, sendo necessários impulsos nervosos com suas origens em neurônios. 

É por isso que o intestino é altamente inervado e possui uma quantidade estimada de até 500 milhões de neurônios, que compreendem o sistema nervoso entérico. Por essa particularidade, o intestino é  conhecido como o “segundo cérebro”.  

O médico gastroenterologista Gustavo Lima, que atua no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE), ressalta que o processo digestivo só é possível devido a orientações nervosas que exigem um altíssimo grau de complexidade.
   
“Para coordenarmos todo esse processo, que é muito complexo, é preciso ter uma forte orientação com o sistema nervoso, e o intestino tem 500 milhões de neurônios. Ou seja, depois do cérebro, o intestino e a medula são onde encontramos mais neurônios”, diz. 

A comunicação entre o intestino, incluindo microbiota, e a porção do sistema nervoso central é realizada a partir do eixo intestino-cérebro. A relação entre os dois funciona como uma via de mão dupla. 

Imunidade 
Do ponto de vista funcional, o intestino também atua como um “muro de contenção”, que busca controlar o que entra no organismo. A parede intestinal é composta por múltiplas células que formam uma barreira funcional de proteção. 
Cerca de 70% a 80% das células imunológicas do corpo estão no intestino. Uma série de moléculas é produzida pelas bactérias presentes lá, incluindo neurotransmissores, que estão envolvidos em diversos processos imunológicos. 

Conforme explica a nutricionista Clarissa Barreto, o sistema intestinal atua como se fosse um “segurança à frente de uma festa”, selecionando micro-organismos “bons” ou “ruins”, separando o que será permitido entrar daquilo que será barrado. 
“Essa barreira física é formada por vilosidades. A questão é sobre o que vai ser permitido entrar na corrente sanguínea ou não, isso é o que importa”, explica a nutricionista.  

Quando estamos em um processo inflamatório, ficamos com o intestino desregulado, as vilosidades se abrem. Ficamos muito suscetíveis à entrada de vírus, fungos, partes de bactérias que não são boas e que podem gerar problemasQuando estamos em um processo inflamatório, ficamos com o intestino desregulado, as vilosidades se abrem. Ficamos muito suscetíveis à entrada de vírus, fungos, partes de bactérias que não são boas e que podem gerar problemas", diz a nutricionista Clarissa - Foto: Arthur Botelho/Folha de Pernambuco

Clarissa alerta para a necessidade de ter hábitos saudáveis que sejam constantes, principalmente, do ponto de vista da alimentação. Dietas inflamatórias podem levar ao que é chamado de aumento da permeabilidade intestinal, alterando a composição da flora intestinal e fragilizando as barreiras.
 
“Quando estamos em um processo inflamatório, ficamos com o intestino desregulado, então essas vilosidades se abrem, ficam vulneráveis, essa barreira tem uma certa quebra. A partir daí, não tem como ter esse controle de quem vai entrar e quem não vai. Portanto, ficamos muito suscetíveis à entrada de vírus, fungos, partes de bactérias que não são boas e que podem gerar problemas”, diz Clarissa Barreto.  

Cuidados
Ainda sobre processos inflamatórios do intestino, os efeitos mais associados a essa condição estão relacionados a desconfortos intestinais, como estufamento, excesso de gases ou azia. Contudo, as consequências podem ir muito além disso.
Retomando o conceito de “segundo cérebro”, a saúde mental também pode ser atingida por problemas de ordem intestinal, e vice-versa, por se tratar de uma via de mão dupla.  

O médico Gustavo Lima elenca alguns exemplos de doenças inflamatórias que podem resultar em alterações psicológicas, ansiedade e depressão em pacientes, citando a doença de Crohn, retocolite ulcerativa e síndrome do intestino irritável.
Lembrando que desequilíbrios no eixo intestino-cérebro também estão ligados à diarreia, constipação, estresse crônico, obesidade e intolerâncias alimentares. Esses problemas também podem contribuir para uma percepção elevada de dores e levar a alterações nas células dos sistemas neuroendócrinos. 


O especialista ainda utilizou um dito popular para estabelecer a conexão entre saúde intestinal e demais questões psicológicas, comprovando que essa relação é bem percebida entre as pessoas. 

“Isso já existe até no linguajar popular, quando você diz que a pessoa está enfezada, ou seja, a pessoa está com raiva, nervosa. Esse enfezado quer dizer cheio de fezes, porque quando a pessoa fica assim, ela começa a ficar irritada. Isso já existia até na cultura popular”, diz Gustavo Lima. 

Mas quando são estabelecidas boas práticas para a saúde do intestino, os benefícios podem ser percebidos no bem-estar e no comportamento das pessoas. A explicação passa pelas questões hormonais. 

Mais de 90% da nossa serotonina, o “hormônio da felicidade”, é sintetizado no nível intestinal. Para isso, precisamos de uma substância chamada triptofano, um aminoácido essencial para que o corpo produza serotonina, contudo, essa produção depende muito de uma boa alimentação. 

Conforme alertam os especialistas, o principal fator na saúde do intestino é a dieta. A estratégia é simples: evitar o consumo em excesso de comidas ultraprocessadas, fast foods e embutidos e dar preferência a uma dieta rica em alimentos naturais, uma alimentação rica em frutas, vegetais, fibras, proteínas de boa qualidade, magras de preferência, e cereais integrais.  
Praticar exercícios físicos e ter uma boa higiene do sono também são fatores importantes. Em resumo, é necessário estabelecer um estilo de vida regrado.  

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