Análise: ordem de prisão contra González Urrutia enterra tentativa de Brasil e Colômbia de mediação
Analistas venezuelanos afirmam que Maduro segue o 'modelo da Nicarágua', país que rompeu relações com o Brasil recentemente
A ordem de prisão da Justiça venezuelana, pedida pelo Ministério Público, contra o opositor Edmundo González Urrutia, que disputou a eleição presidencial de 28 de julho, enterrou de vez a possibilidade de uma eventual mediação dos governos do Brasil e da Colômbia entre a ditadura de Nicolás Maduro e a oposição.
Fontes do governo Lula admitem que a decisão judicial — que não será questionada pelo Brasil — fechou o que diplomatas gostam de chamar de “uma janela de oportunidade”, neste caso, para tentar um acordo que possa ajudar a Venezuela a superar a crise política na qual mergulhou após o pleito.
Em Caracas, a sensação é a mesma. Analistas que preferem falar em condição de anonimato lamentam que “os esforços de Brasil e Colômbia não tenham impedindo o recrudescimento da repressão, pelo contrário”.
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O mandado de prisão contra González Urrutia é, segundo os especialistas, o mais contundente ato de intimidação a dirigentes da oposição. E busca, afirmam, levar o diplomata aposentado a abandonar o país.
A situação da oposição é cada dia mais complicada. González Urrutia está, segundo seus advogados, “pulando de casa em casa”. Sua esposa está no apartamento do casal, em Caracas, contando apenas com a companhia de uma de suas filhas (a outra mora na Espanha).
A comunicação entre o opositor, sua família, amigos e colaboradores é escassa, contou ao Globo um desses colaboradores. Segundo ele, “Edmundo está muito preocupado com sua família, sobretudo com sua esposa. Eles receberam ameaças”.
O método de Maduro é claro: intimidar, gerar medo e, aos poucos, neutralizar a oposição no território nacional. Em palavras do professor da Universidade Central da Venezuela (UCV), Carlos Romero, “o governo venezuelano está adotando o modelo da Nicarágua”.
— A comunidade internacional tem um papel a cumprir. O isolamento é o pior que pode nos acontecer, porque isolados a repressão será ainda pior — afirma Romero, que, apesar de ter uma filha que mora no exterior e já disse que prefere não passar as festas de fim de ano em seu país, como faz todos os anos, decidiu ficar na Venezuela.
— Vejo muitas pessoas com medo mas, principalmente, tristes. A tristeza se impôs e estamos cada dia pior. Muitos familiares que moram fora já avisaram que não querem vir ao país. Ninguém se sente seguro.
Sem mediação à vista, o isolamento parece ser, de fato, um cenário impossível de evitar para a Venezuela. Não é algo novo para o país, que desde 2018 enfrenta sanções por parte dos Estados Unidos, Canadá e países da União Europeia, entre outros.
O que Brasil e Colômbia tentaram impedir foi, justamente, o aprofundamento desse isolamento. O cenário mais otimista previa uma normalização política no país, algo que nunca esteve tão distante como hoje.
No Palácio do Planalto, fontes do governo Lula não escondem mais sua preocupação. A aposta de trazer a Venezuela de volta para a região, uma das prioridades do governo Lula 3 em matéria de política externa não deu certo.
Os que atuaram nos governos Lula 1 e 2, admitem que “pelo menos [Hugo] Chávez nos ouvia, Maduro não ouve. Tudo ficou mais difícil”.
— O governo de Maduro está disposto a escalar a pressão ao máximo. Hoje, o objetivo é que Edmundo saia do país — afirma o analista venezuelano Mariano de Alba, que mora no exterior e, ao contrário de seus colegas que continuam dentro do país, fala com mais liberdade sobre a situação política.
— Pensar numa mesa de diálogo hoje é difícil, mas acho que a porta não se fechou totalmente. Em diplomacia os tempos são outros — diz o analista, mais otimista que Romero.
A questão, frisa Alba, é que “Maduro não quer negociar, e isso não mudou com o pedido de prisão de Edmundo, isso já era assim. O pedido de pressão é uma escalada, mas não altera o contexto geral”.
— O governo se fechou e, por outro lado, as sanções vão se intensificar. Já vimos o que fizeram com o avião de Maduro na República Dominicana — acrescenta o analista, e faz um alerta:
— O que mais me preocupa é ver que não apenas a cúpula militar sustenta Maduro. Tem um Estado por trás dele, um Judiciário que respalda sua estratégia de asfixia da oposição —.
O que podem fazer Brasil e Colômbia no atual cenário? Não muito. Basicamente, permanecer no território, tentar manter canais de diálogo abertos para eventuais intervenções em situações específicas, e evitar que seus corpos diplomáticos, como aconteceu com outros de países da região, sejam expulsos do país. O isolamento total é o maior medo da oposição e dos que ainda moram no país.
Mas a comunidade internacional parece lidar com a crise venezuelana de forma diferente a de outros tempos.
Em Caracas circulam rumores de que embaixadas já teriam rejeitado pedidos para receber dirigentes da oposição que estavam sendo perseguidos, e acabaram presos. O rumor teria surgido numa conversa entre a líder opositora María Corina Machado e jornalistas.
Quando boatos indicavam que González Urrutia poderia estar numa embaixada europeia, um embaixador europeu negou ao GLOBO que isso fosse verdade. Perguntado sobre o que faria se o opositor aparecesse em sua residência foi bem claro:
— Teria de consultar meu governo —.
Não apenas Maduro se fechou, governos que ainda mantêm relações com o Palácio Miraflores estão mais cautelosos, por temor a retaliações. Brasil e Colômbia praticamente abandonaram a ideia de uma negociação, e muito mais de um contato entre seus presidentes de Maduro.
O objetivo agora é não queimar totalmente as pontes, e contribuir, com todas as limitações existentes, para que a situação não degringole ainda mais.