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SEGURANÇA

Arma contra Lula, segurança também desafia aliados de esquerda do presidente pela América Latina

Países como Uruguai, Chile e México têm insegurança como incômodo predominante nas pesquisas; alguns deles entraram na mira dos EUA sob pretexto de combate ao crime

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do BrasilLuiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil - Foto: Pablo Porciuncula / AFP

Depois da operação policial que resultou em 121 mortes no Rio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viu a segurança pública, maior preocupação dos brasileiros, virar munição de opositores em um momento no qual recuperava a popularidade.

Na América Latina, região mais violenta do planeta e na qual o tema é altamente politizado, o petista não está sozinho: os principais países comandados por aliados, do Uruguai ao México, têm a insegurança como incômodo predominante nas pesquisas, e alguns deles entraram na mira de anseios intervencionistas dos EUA sob o argumento de combate ao crime.

Neste domingo, na Colômbia, Lula participa da cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). O mar da região tem sido palco de bombardeios dos EUA a embarcações que, segundo o governo Donald Trump, carregam drogas. Ao mesmo tempo, o chefe da Casa Branca volta a ventilar a possibilidade de fazer ataques terrestres contra os cartéis do fronteiriço México.

Segundo auxiliares de Lula, o encontro da Celac vai ter o combate ao crime organizado como eixo, levando em conta tanto os ataques americanos quanto a pressão para que o Brasil classifique facções como “terroristas” — algo refutado pelo governo e especialistas, por inibir investimentos e embutir riscos a vítimas. Vizinhos governados pela direita, a Argentina de Javier Milei e o Paraguai de Santiago Peña, encamparam a ideia e colocaram o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro comando da Capital (PCC) sob guarda-chuva do terror.

Na política interna, Lula viu a oposição que estava desalinhada se reagrupar em torno de uma pauta. O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), deu aos demais governadores de direita o discurso de endurecimento no combate ao crime. Eles alicerçam essa retórica em pesquisas que apontam o aval da população a operações do tipo.

— Os países têm problemas sérios de segurança pública. A questão é como esse problema é utilizado politicamente. Em geral, o que está colocado hoje são as alternativas de repressão, e isso tem forte apelo político, já que a maioria da população atingida pela violência tem urgência — aponta o cientista político Thiago Rodrigues, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). — Como as alternativas são sempre repressiva, e a população não tem referência de uma solução diferente, isso é uma falha do campo democrático, que não oferece respostas pragmáticas, imediatas.

Falta a políticos que não são da “direita belicosa”, avalia o pesquisador, apresentar soluções eficientes. Um caminho passaria pelo foco no poderio financeiro das facções, além de se atentar a crimes como roubos de rua.

— Não se pode mais abrir mão do debate de combate à criminalidade. Tem que falar de eficiência, não de coisas abstratas — frisa. — Pesquisas mostram que as pessoas estão preocupadas com roubo de celular, não só com homicídios.

Entre os países governados pela esquerda considerados no levantamento — a Venezuela ficou de fora por não ser uma democracia plena —, o México é o único em que a presidente, Claudia Sheinbaum, ostenta saldo confortável de aprovação. Nos demais, há empate entre o aval e o rechaço à gestão, casos de Lula e do uruguaio Yamandú Orsi, e também de desaprovação predominante, como na Colômbia de Gustavo Petro e no Chile de Gabriel Boric.

Em todos eles, termos relacionados à segurança encabeçam a lista de preocupações nas pesquisas. No Chile, que não tem histórico problemático com facções, a “delinquência” é mencionada por 60% como maior problema, e o governo Boric está mal avaliado. Os chilenos vão às urnas no próximo dia 16. A candidata apoiada pelo presidente, Jeannette Jara, é derrotada pela extrema direita nas sondagens de segundo turno.

— É interessante ver a própria ideologização do tema da segurança pública, algo bem comum na América Latina — indica a pesquisadora Marilia Carolina Souza Pimenta, professora do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp). — Isso nos remete à polarização, na qual se pretende fazer acreditar que governos de direita seriam mais combativos ao crime com as chamadas políticas de “mano dura”, hoje muito representadas pelo Bukele, de El Salvador, que tem feito essa exportação a outros países.

Mesmo no México, da bem avaliada Sheinbaum, a segurança desafia o governo e obriga a presidente a lidar tanto com os problemas internos quanto com a ameaça de Trump. Depois dos primeiros ensaios intervencionistas do americano, a mexicana lançou o lema “cooperação sim, submissão não”.

Além de receber o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, para firmar acordos de cooperação, ela busca entregar internamente bons números de combate ao crime. Em 11 meses de gestão, prendeu 35 mil criminosos, bem mais que os 12,5 mil que o antecessor e aliado, Andrés López Obrador, deteve em seis anos.

Região mais violenta
Um relatório de 2019 da ONU evidencia o problema da violência regional. Apesar de ter cerca de 8% da população mundial, a América Latina concentrou naquele ano 37% dos homicídios. É, proporcionalmente, a região mais violenta do planeta.

Enquanto governos de esquerda têm dificuldade de achar um tom para enfrentar o crime, líderes de direita identificaram uma brecha para endurecer o discurso e as ações. O caso mais emblemático é o de Bukele, citado pela pesquisadora da Unesp, que promove encarceramento em massa e é acusado de violações de direitos humanos e de cerceamento ao direito de defesa no trato com as gangues. Politicamente, o modelo serviu para impulsionar a popularidade do presidente.

— A direita consegue se mobilizar melhor em torno da pauta de segurança porque o discurso de solução militarista soa muito bonito — diz Lucas Rezende, professor de política internacional e de defesa do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). — O problema é que isso justifica medidas excepcionais, em vez de fortalecer o estado democrático, os direitos civis, as instituições que investigam. Há estudos consensuais sobre essas soluções, mas eles não são bem-sucedidos em passar à população essa visão.

Os governos de esquerda vinham se afastando do regime de Nicolás Maduro nos últimos anos, como fez o próprio Lula. Gabriel Boric sempre repudiou a postura do venezuelano, e o Uruguai de Yamandú não reconhece a vitória do chavista. Apesar disso, os bombardeios americanos têm causado uma onda de solidariedade ao país.

— A maneira como isso tem acontecido é extremamente preocupante. Não que não seja desejável que o governo Maduro, que não é democrático, caia. É desejável. Criticar os movimentos de Trump não significa defender Maduro — observa Lucas Rezende. — A ida do Brasil à Celac passa uma mensagem fundamental: o país, não só pelo tamanho territorial, mas econômico e populacional, tem um papel preponderante na região.

Muito da retórica dos EUA, respaldada por setores da direita latina, passa pelo uso do termo “narcoterrorismo” para se referir a facções. Especialistas criticam a classificação, que dá margem para uma série de consequências até econômicas — ao afugentar a instalação de multinacionais e de instituições financeiras que não operam em locais onde há terroristas, por exemplo. Também não faria sentido etimologicamente, já que CV e PCC são mais centrados no jogo financeiro do que movidos por ideais políticos ou religiosos.

— É uma grande construção de ameaça ao juntar dois perigos, mas que não existe como uma ameaça real disseminada pela América Latina — afirma Thiago Rodrigues. — A ideia de que as pessoas comprem o conceito é muito perigosa, principalmente porque tem ressonância nos países e é instrumentalizada pela ultradireita. (Colaborou Eliane Oliveira, de Brasília)

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