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SAÚDE

Cientistas mapeiam 162 patógenos com potencial de transmissão para humanos entre mamíferos no Brasil

Relatório destaca importância de políticas públicas para proteger a biodiversidade e minimizar o risco à saúde humana

Pesquisa com onças do Pantanal revela presença de patógeno que pode infectar humanos Pesquisa com onças do Pantanal revela presença de patógeno que pode infectar humanos  - Foto: Yoann Lebrun/Unesp

Um novo relatório de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) mapeou 1.025 microrganismos em 345 espécies de mamíferos no Brasil. Entre eles, 162 patógenos, como vírus, bactérias, protozoários, vermes e fungos, com potencial de transmissão para seres humanos, reforçando a importância de medidas para proteger a biodiversidade e evitar o “salto” desses agentes causadores de doenças para a população do país.

O documento é o maior levantamento sobre saúde de animais silvestres já realizado no Brasil e faz parte do projeto de pesquisa Redes Socioecológicas, coordenado pelo IOC e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no âmbito do programa Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose).

Os resultados jogam luz para a chamada “uma só saúde” (one health), conceito que destaca como as saúdes ambiental, animal e humana estão interligadas, preconizando uma abordagem integrada para enfrentar desafios emergentes e reemergentes, como pandemias, resistência antimicrobiana, mudanças climáticas e outras ameaças.

Segundo a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), 60% dos patógenos que causam doenças emergentes hoje entre humanos são zoonoses, ou seja, tiveram origem em animais. É o caso do HIV, da gripe suína, gripe aviária, do ebola, da mpox e da Covid-19, por exemplo.

 

— A pandemia de Covid-19, causada por um vírus originalmente detectado em morcegos, mostrou como processos ecológicos, mudanças ambientais e antrópicas podem favorecer a transmissão de patógenos que existem na natureza para os seres humanos — diz Paulo D'Andréa, chefe substituto do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do IOC e um dos coordenadores do projeto Redes Socioecológicas.

O pesquisador ressalta ser fundamental “conhecer os parasitas que circulam em animais silvestres, especialmente no Brasil, onde temos a maior diversidade de mamíferos do mundo e muitas transformações ambientais”. É dentro desse contexto que o novo relatório mapeia esses patógenos e chama atenção para a importância de medidas que diminuam o risco de que eles cheguem à população humana.

— Atividades humanas como desmatamento, mineração e avanço da ocupação sobre áreas de floresta causam perda de biodiversidade e podem impulsionar a disseminação de doenças infecciosas. Os dados permitem construir modelos para prever riscos e informar as políticas públicas — afirma Cecília de Andreazzi, pesquisadora do mesmo Laboratório, que também é coordenadora da pesquisa.

O estudo apontou, por exemplo, que a perda de vegetação em locais remotos com alta riqueza de mamíferos está associada com aumento de doenças de origem animal. Em contrapartida, maior arborização urbana e cobertura vegetal diminuem esse risco.

"A diversidade de espécies diminui as chances de um único parasito se espalhar rapidamente, tornando mais difícil a sua transmissão entre os hospedeiros. Portanto, a conservação da biodiversidade é essencial para manter a saúde dos ecossistemas e controlar naturalmente o surgimento e a propagação de doenças", escrevem os pesquisadores no relatório.

O documento foi elaborado por 24 autores de 13 instituições. Além do IOC, participaram especialistas da Fiocruz Amazônia, Fiocruz Rondônia, Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Estado da Saúde do Acre (Sesacre), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Centro Pan-Americano de Febre Aftosa e Saúde Pública Veterinária (Panaftosa), Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Universidade de Jerusalém, em Israel.

Os dados foram obtidos a partir de artigos científicos e consultas a acervos do Sistema Único de Saúde (SUS), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SIBBr), ICMBio, IUCN, MapBiomas, agência espacial americana, a Nasa, e outros.

Embora seja o mais amplo conjunto de dados sobre saúde silvestre no Brasil, os pesquisadores destacam uma lacuna nas informações devido às desigualdades regionais: a maior parte dos dados são de publicações referentes à região Sudeste. Além disso, alertam que o tema tem sido deixado de lado pelo poder público.

De acordo com os responsáveis, não existe legislação específica ou órgão com abrangência completa sobre a saúde de animais silvestres no Brasil. As políticas públicas atuais geralmente focam em proteger os rebanhos de produção ou prevenir surtos entre seres humanos, ignorando o componente silvestre.

No ano passado, o governo criou o ‘Comitê Interinstitucional de Uma só Saúde’, que foi considerado um avanço pelos pesquisadores para mudar esse cenário. O objetivo do grupo, coordenado pelo Ministério da Saúde e com a participação de 20 órgãos, é elaborar uma política nacional sobre o tema.

Em suas recomendações, os autores do relatório destacam a necessidade de fortalecer a vigilância da saúde silvestre; inseri-la em planos de conservação de espécies e processos de licenciamento ambiental; abordar o comércio e consumo de animais silvestres, por meio de regulamentação, fiscalização e ações educativas; e ampliar a participação da sociedade, especialmente dos povos indígenas e comunidades tradicionais, na formulação das estratégias para o setor.

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