Democratas acusam Trump de ceder influência global à China, e pesquisa mostra queda dos EUA
Levantamento mostra avanço de Pequim na visão sobre qual país figura como líder na economia
A imagem global dos Estados Unidos como parceiro confiável sofreu forte desgaste desde que o presidente americano, Donald Trump, retornou à Casa Branca — enquanto a percepção sobre a China melhorou em diversas regiões.
Um levantamento feito pelo Pew Research Center em 24 países mostra que, apesar de a visão positiva sobre Washington (49%) ainda ser maior do que a de Pequim (37%), a diferença está diminuindo consideravelmente.
O estudo, realizado a partir de entrevistas com 28 mil pessoas entre 8 de janeiro e 26 de abril e divulgado na terça-feira, indica ainda uma mudança na visão sobre qual país lidera a economia global.
Em metade dos países pesquisados, a maioria dos entrevistados vê a China como a principal potência econômica — número que cresceu em comparação com 2023. Na França, por exemplo, 49% agora veem a China como dominante, ante 37% que dizem o mesmo sobre os EUA.
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A pesquisa também revela um paradoxo: embora os EUA ainda sejam vistos como principal aliado de muitos dos entrevistados, também são apontados como uma das maiores ameaças, sobretudo em países europeus e latino-americanos. França, Alemanha, Suécia e Reino Unido colocam os EUA como segunda maior ameaça — atrás apenas da Rússia, em guerra com a Ucrânia desde 2022 —,enquanto argentinos, brasileiros e mexicanos citam Washington como principal ameaça percebida.
A divulgação do estudo foi feita apenas um dia após democratas da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano acusarem o governo Trump de estar “cedendo a liderança global à China”, citando a guerra comercial e o recuo no engajamento internacional por meio de cortes na ajuda externa e em agências de mídia como a Voz da América, além do afastamento de aliados estratégicos para os Estados Unidos.
‘Desengajamento americano’
Em relatório, os membros da minoria na comissão afirmaram que o país estava “minando alianças e parcerias econômicas” e enfraquecendo sua capacidade de superar Pequim. A declaração foi feita enquanto republicanos na Câmara propõem um projeto de lei orçamentária que prevê a redução da assistência externa e a formalização do fechamento da Usaid, a agência de ajuda externa americana.
“À medida que os Estados Unidos recuam de sua liderança global sob o governo do presidente Trump, a China está bem posicionada e ansiosa para explorar esse momento de desengajamento americano”, disseram os parlamentares no documento. O texto também acrescenta que a China vem ganhando influência no cenário internacional enquanto o governo dos EUA reduz seu apoio a organismos como as Nações Unidas e diminui sua presença diplomática ao redor do mundo.
Os democratas disseram que a campanha de tarifas promovida pelo presidente estava prejudicando as alianças dos Estados Unidos, e que os ataques a universidades e estudantes internacionais haviam danificado a reputação do país como polo global de talentos.
as talvez o elemento mais interessante do relatório, conforme o New York Times, seja o fato de os democratas terem escolhido o relacionamento com a China — em vez da recusa inicial de Trump de ajudar a Ucrânia ou o efeito das tarifas — como eixo principal da crítica à segurança nacional do governo.
— Democratas e republicanos concordam em uma coisa: uma das maiores ameaças ao nosso futuro nos EUA, tanto em termos econômicos quanto de segurança nacional, é a competição com a China — disse a senadora Jeanne Shaheen, responsável pela iniciativa do relatório.— E ainda assim, ao observar o que o governo fez desde que assumiu o poder, vemos uma decisão atrás da outra que enfraquece qualquer resposta estratégica coordenada para lidar com a China.
Imagem desgastada
O governo do líder republicano rejeitou as conclusões do relatório, afirmando que a política externa de Trump tem sido “eficaz por causa de sua disposição de encarar qualquer um para conseguir acordos melhores para o povo americano”. Em comunicado, a vice-secretária de imprensa da Casa Branca, Anna Kelly, acrescentou:
“Os democratas do Senado facilitaram e aplaudiram a fraqueza de Joe Biden quando negaram a teoria do vazamento do laboratório de Wuhan e permitiram que um balão espião vigiasse nosso país. Com o presidente Trump, os EUA voltaram a ser fortes (...). A estratégia [do presidente] está dando resultados, como evidencia o recente acordo comercial que abriu caminho para o acesso ao mercado chinês e as ações da China para controlar a disseminação do mortal fentanil”.
O relatório do Pew Research Center, porém, mostra que a imagem dos EUA tornou-se significativamente mais negativa no último ano, enquanto a visão sobre a China melhorou ligeiramente.
Um exemplo é o caso do Canadá, que, apesar de hoje ainda ter uma visão favorável tanto de Washington (34%) quanto de Pequim (34%), apresentou uma queda de 20 pontos percentuais na percepção positiva sobre o vizinho americano, enquanto a visão favorável sobre a potência chinesa subiu 13 pontos.
Além disso, apesar de Trump ter índice de confianças mais altos do que seu homólogo chinês, Xi Jinping, em 11 dos países pesquisados, Xi aparece na liderança em outros seis, sendo a maior diferença no México, onde 36% confiam mais nele do que no republicano (8%).
Desde o ano passado, quando o então presidente Biden era avaliado, a confiança na liderança americana caiu em 13 países e aumentou em seis, enquanto a confiança em Xi cresceu em 16 países e caiu apenas em Israel.
Na Alemanha, por exemplo, 63% dos adultos expressavam confiança em Biden em 2024. Este ano, bem menos alemães (18%) confiam em Trump. No mesmo período, a confiança em Xi subiu de 17% para 25%. Segundo o instituto, nos dez países pesquisados anualmente desde 2017, a mediana de confiança em Biden sempre foi superior à confiança em Xi. Neste ano, no entanto, a confiança mediana em Trump (22%) e Xi (24%) está praticamente empatada — algo que não ocorria desde 2020.
Lista de recomendações
Destacando a forte preocupação bipartidária em relação à China, o relatório democrata apresenta uma série de recomendações, incluindo a restauração da ajuda externa, a manutenção de um engajamento em organizações internacionais e o apoio a uma mídia global independente para combater a propaganda chinesa no exterior. Também pede que o Congresso recupere seu papel na formulação da política comercial.
Nos primeiros meses do segundo mandato de Trump, a Usaid foi desmontada, e a Agência dos Estados Unidos para Mídia Global — responsável por veículos como a Voz da América e a Rádio Ásia Livre — sofreu cortes drásticos de financiamento e demissões em massa.
O governo ainda ordenou a revisão da participação em organizações internacionais, e retirou-se de entidades como o Conselho de Direitos Humanos da ONU e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O Departamento de Estado iniciou o processo de demissão de milhares de diplomatas e outros funcionários sediados nos EUA como parte de uma ampla reestruturação, com relatos de que o governo estuda fechar 10 embaixadas e 17 consulados. Enquanto isso, observa-se que a China aumentou seu orçamento diplomático em 8,4%, planejou direcionar US$ 500 milhões para a OMS e “segue investindo bilhões em programas internacionais de intercâmbio educacional e cultural”.
“A China está usando suas alavancas diplomáticas em países do Sul Global para retratar os Estados Unidos como um parceiro pouco confiável”, conclui o relatório da oposição.

