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TEXAS

Quais fatores explicam as enchentes que mataram mais de 100 pessoas no Texas?

Especialistas afirmam que condições climáticas extremas, localização do acampamento de férias, horário e falhas políticas podem ter contribuído para a tragédia

Enchentes no Texas deixa mais de 100 mortosEnchentes no Texas deixa mais de 100 mortos - Foto: Ronaldo Schemidt/AFP

À medida que continuam as buscas pelos desaparecidos nas enchentes sem precedentes que atingiram o Texas no fim de semana, setores da sociedade civil americana começam a questionar se mais poderia ter sido feito para evitar tantas perdas de vidas — foram mais de 100 mortes, incluindo 27 crianças e monitores de um acampamento para meninas localizado às margens do rio Guadalupe.

Especialistas afirmam que vários fatores contribuíram para a tragédia, incluindo as condições climáticas extremas, a localização do acampamento de férias e falhas políticas perpetradas por há anos por diferentes gestões, além do momento em que ocorreu o desastre. Confira uma análise das forças entrelaçadas que amplificaram o impacto da catástrofe no estado do sul dos Estados Unidos.

Posição geográfica
A região texana do condado de Kerr, onde ficava o acampamento e onde 84 pessoas perderam a vida, está localizada em uma área conhecida como o "beco das inundações repentinas", explicou Hatim Sharif, professor de Hidrologia da Universidade do Texas em San Antonio, à AFP.

O ar quente do Golfo do México sobe pela Escarpa de Balcones — uma linha de colinas e penhascos íngremes que se curva para sudoeste a partir de Dallas — esfria e despeja torrentes sobre solos finos que rapidamente cedem lugar ao leito rochoso. O escoamento então se afunila por uma densa rede de riachos.

— A água sobe muito, muito rápido, em questão de minutos ou algumas horas — disse Sharif à AFP.

E as primeiras horas de 4 de julho comprovaram isso. Por volta das 3h (horário local), um medidor próximo ao acampamento Mystic, em Hunt, indicava que o rio Guadalupe estava subindo quase 30 centímetros a cada cinco minutos. Às 4h30, o nível do rio estava mais de seis metros acima do normal, segundo os dados do Serviço Nacional de Meteorologia (NWS, na sigla em inglês). Um volume de água suficiente para arrastar pessoas, veículos e edifícios.

Na véspera da enchente, havia uma grande quantidade de umidade na atmosfera proveniente de uma tempestade tropical que causou inundações no México e depois seguiu para o norte à medida que se dissipava. Essas nuvens de tempestade eram tão grandes que efetivamente se tornaram seu próprio sistema climático, produzindo enormes quantidades de chuva sobre uma grande área, fazendo com que o rio Guadalupe transbordasse com uma velocidade sem precedentes.

— A precipitação precisa ser convertida em escoamento. Se você tem 25 centímetros, o que vai acontecer? — questionou Sharif, insistindo insiste no uso de previsões hidrológicas que traduzam as chuvas em níveis prováveis do rio.

Mudanças climáticas
Uma atmosfera mais quente retém mais umidade, o que pode provocar chuvas mais intensas. Uma nova análise do ClimaMeter mostra que as condições meteorológicas que antecederam as enchentes, quando foi registrado mais que o dobro da média mensal de chuvas em apenas um dia, não podem ser explicadas apenas pela variabilidade natural.

— As mudanças climáticas já estão nos afetando, então precisamos nos adaptar — disse à AFP Mireia Ginesta, climatologista da Universidade de Oxford, coautora da pesquisa, financiada pela União Europeia e pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS, na sigla original). — Também precisamos reduzir nossas emissões e garantir que os serviços de previsão e a pesquisa em geral sobre mudanças climáticas recebam financiamento adequado.

O apelo foi feito no momento em que o NWS, assim como outras agências, enfrenta cortes profundos de funcionários no governo do presidente republicano Donald Trump. Especialistas destacam, no entanto, que os meteorologistas do Serviço Nacional tiveram um desempenho admirável diante das circunstâncias.

Sem sistema de alerta
Durante muitos anos, os comissários do condado de Kerr, o mais afetado pelas enchentes, cogitaram a instalação de sirenes de enchentes e alertas digitais para substituir a prática informal de funcionários de acampamentos de verão se comunicado por rádio para avisar outros acampamentos.

Mas as atas de uma reunião de 2016 mostram que as autoridades consideraram até mesmo um estudo de viabilidade como "um pouco extravagante", sugerindo que as sirenes ajudariam principalmente os turistas e reafirmando a primazia do uso do sistema de informação boca a boca.

"A ideia de que nosso belo condado de Kerr tenha essas sirenes malditas tocando no meio da noite vai me obrigar a voltar a beber para aguentar vocês", disse o comissário H.A. Buster Baldwin, segundo uma transcrição.

Após a tragédia, Nicole Wilson, uma mãe de San Antonio que esteve prestes a enviar suas filhas ao acampamento Mystic, criou uma petição no site Change.org para exigir que o governador Greg Abbott aprove uma rede de alerta moderna.

— Cinco minutos da sirene ressoando poderiam ter salvado cada uma dessas crianças — disse Wilson à AFP.

Horário das enchentes
O momento em que o nível da água do Rio Guadalupe começou a subir rapidamente também pode ter contribuído para a perda de vidas. Um aviso de risco de enchente foi emitido na tarde de quinta-feira, mas elevado para um alerta oficial, aconselhando as pessoas a procurarem terrenos mais altos, apenas após a meia-noite (horário local).

Nas duas horas seguintes, a situação se agravou. Pouco após 1h (horário local), um alerta de "enchente repentina" foi emitido pelo NWS, informando que a situação era "particularmente perigosa". A mensagem foi transmitida por SMS para os celulares das pessoas na região, mas a maioria dos funcionários e frequentadores do acampamento Mystic estavam dormindo.

Além disso, os telefones celulares são proibidos no local e a cobertura era irregular. Do mesmo modo, a escuridão dificultava a avaliação das rotas de fuga. Os acampamentos de verão atraem visitantes há muito tempo para a região por sua beleza natural, mas com o aumento dos riscos, Sharif alerta que não é prudente considerar estes locais como seguros ou permanentes.

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