Governo sírio e forças curdas firmam acordo para integrar região nordeste ao país; entenda
Acordo prevê um cessar-fogo nacional e estabelece que os curdos são parte integrante da Síria, com garantia de cidadania e direitos constitucionais
O governo sírio anunciou nesta segunda-feira um acordo histórico com as Forças Democráticas Sírias (SDF), lideradas pelos curdos, para integrar as instituições comandadas pelas SDF no nordeste do país ao Estado.
A medida pode redefinir a governança da região, que é semiautônoma desde 2015, colocando-a sob o controle total de Damasco.
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A cerimônia de assinatura contou com a presença do presidente interino da Síria, Ahmed al-Sharaa, e do comandante das SDF, Mazloum Abdi.
De acordo com o jornal al-Jazeera, o acordo estipulou que “todas as instituições civis e militares no nordeste da Síria” fossem fundidas “na administração do Estado sírio, incluindo as travessias de fronteira, o aeroporto e os campos de petróleo e gás”.
Discussões sobre a integração das SDF no estado sírio estavam em andamento desde a queda de al-Assad, em dezembro passado, mas foram prejudicadas por divisões fomentadas ao longo de anos de guerra.
O grupo tinha uma posição mais ambígua em relação a al-Assad do que outras forças de oposição, e foram acusadas de serem aliadas ao regime.
Direitos curdos na Síria
O acordo prevê um cessar-fogo nacional e estabelece que os curdos são parte integrante da Síria, com garantia de cidadania e direitos constitucionais.
Também inclui o compromisso das SDF em combater militantes pró-Assad.
A aliança das SDF com os EUA e sua ligação com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado um grupo terrorista pela Turquia, União Europeia e EUA, pode complicar o cenário.
A Turquia, inclusive, já se opôs repetidamente às SDF com ataques.
O momento do acordo coincide com mudanças na política dos EUA. Sob o governo de Donald Trump, Washington indicou planos para retirar suas tropas da Síria.
— A Síria é sua própria bagunça. Eles já têm bagunças suficientes lá. Eles não precisam de nós envolvidos em todas elas — disse Trump no começo deste ano.
"Limpeza étnica sistemática"
O Ministério da Defesa da Síria anunciou nesta segunda-feira o fim da operação militar contra forças leais ao ex-ditador Bashar-al-Assad que deixou cerca de 1,5 mil mortos na região costeira no oeste do país, acusada por entidades da minoria étnica e religiosa alauita como uma "limpeza étnica sistemática".
A pedido de EUA e Rússia, o Conselho de Segurança da ONU se reuniu nesta segunda-feira a portas fechadas para discutir o que se tornou em três dias em um dos maiores massacres desde 2011, início do levante contrário ao regime de Assad que evoluiu para uma guerra civil.
— Anunciamos o fim da operação militar — disse o porta-voz do Ministério da Defesa sírio, Hassan Abdul Ghani, citado pela imprensa estatal. — Nossas forças foram capazes de neutralizar as células de segurança e os remanescentes do regime [Assad].
A escalada de violência na Síria começou, na quinta-feira, quando apoiadores do ditador deposto atacaram as forças de segurança na cidade de Jablé, na província litorânea de Latakia, berço da comunidade muçulmana alauita — ramo xiita do Islã do qual o clã Assad faz parte. Antes do início da guerra civil, estimava-se que os alauitas constituíam entre 11% e 15% da população síria, e membros da minoria dominaram o governo durante a ditadura da família Assad, iniciada em 1970 com o golpe militar que levou ao poder Hafez al-Assad, pai de Bashar.
Os ataques dos partidários do regime deposto provocaram uma resposta militar dura do governo em Latakia e Tartus.
Em uma nova estimativa, o Observatório Sírio para Direitos Humanos (OSDH), entidade baseada em Londres que monitora os desdobramentos no país, onde tem muitos contatos, disse que quase 1,5 mil pessoas (973 delas civis) morreram.
A operação militar foi amplamente condenada por organizações internacionais, governos estrangeiros e entidades alauitas. A Federação de Alauitas na Europa denunciou uma "limpeza étnica sistemática" contra a minoria étnica.
Alemanha e Reino Unido e o Alto Comissariado da ONU para direitos humanos exigiram a proteção dos civis sírios.

