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"Hoje ando com minhas pernas e não preciso de homem para isso", conta Verônica, que se casou aos 15

O bom é você ser amigo dos filhos, como sou dos meus, porque, se eu tivesse tido apoio, não teria casado. Uma menina de 15 anos não sabe o que quer.

Com a nova liberdade e sessões de terapia, Verônica redesenha seu caminhoCom a nova liberdade e sessões de terapia, Verônica redesenha seu caminho - Foto: Brenda Alcântara/ Folha de Pernambuco

"Casei aos 15, fui mãe com 16 e com 17. Era bem inexperiente mesmo. Já veio da minha mãe, que teve 16 filhos, casou aos 15 e não pode estudar. Quando minha irmã me viu grávida do segundo filho, ficou muito preocupada que a história se repetisse. Ela foi lá em casa e disse: 'Vera, você está fazendo igual a mamãe´. Levou uma cartela de anticoncepcional, já foi abrindo a porta e dizendo: 'Tome!'. Perguntei o que ia fazer com aquilo. “Tomar, minha filha, porque você já vai no segundo filho. Você quer encher essa casa?”.

Minha mãe, por ter tido muitos filhos, não conversava com a gente como conversamos com nossos. Não é que ela não quisesse, não dava mesmo. Quando me vi aos 15 anos grávida, eu fiquei em pânico, me deu medo, desespero, e a minha maior preocupação era como eu ia contar. Eu casei grávida sem ela saber, mas, quatro meses depois, Beto nasceu. Como é que eu ia explicar isso pra minha mãe?

Eu tinha 13 quando conheci meu ex-marido, que é 9 anos mais velho que eu. Inclusive, meu cunhado tem uma foto minha da época. Ele sempre diz: 'Meu Deus do céu, uma coisa dessa, magra, feia, como é que ele se interessou por isso?'  Eu pesava 35 quilos, usava pitó na cabeça. Quando eu fiquei grávida, ele disse que eu não me preocupasse que a gente ia casar. Mas eu queria era me livrar daquele problema. Tudo o que me ensinassem de chá eu tomava, ainda tomei um coquetel, e nada. Só não pratiquei o aborto. Então, pronto, vamos casar!

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Quando eu fui na minha ginecologista, ela disse: 'Você não precisa casar, converse com seus pais, explique a situação'. Não, minha mãe vai me colocar de casa pra fora, eu quero casar! Casei. Foi uma decepção enorme pra ela, que não esperava aquilo, que nunca ia me visitar, que nunca iria na minha casa. Não foi apoio, mas hoje eu entendo. Meu pai teve que assinar para eu poder casar. Anos depois, conversei com o padre e ele disse que achou estranha a minha pressa em casar, tão nova, mas que não teve tempo de conversar comigo. 

Hoje a Verônica de 49 anos olhando a Verônica que passou por toda aquela fase diz que não faria de novo. Fiz por medo, que é uma coisa terrível, que bloqueia. O bom é você ser amigo dos filhos, como sou dos meus, porque, se eu tivesse tido apoio, não teria casado. Uma menina de 15 anos não sabe o que quer.

Quando colocaram Beto na minha mão, eu fiquei desesperada. Não sabia o que fazer com aquele bebê. Meu Deus! A primeira fralda que eu troquei, quando devolvi ele para a enfermeira, a fralda ficou. Quando ele chorava de um lado, eu chorava de outro. Era uma criança cuidando de outra. Fiquei um tempo com ele na casa da minha mãe e não queria mais sair de lá, me sentia protegida. Mas eu chorava tanto com ele nos braços… Quando descobri a segunda gravidez, ainda estava amamentando e nem sabia que estava grávida. Beto é de abril, Dito é de junho.

Minha sorte é que meu ex-marido me incentivou a terminar meus estudos. Quando o conheci, estava na 5ª série e parei de estudar quando fiquei grávida. Ali parei sonhos. Como é que eu vou fazer com os meninos? Ele apoiou, disse que os meninos iriam para um hotelzinho, uma creche, mas que eu ia voltar a estudar.

Passei 27 anos casada e, quando me separei, queria viver a adolescência que nunca tive. Mas é preciso refletir, então comecei a fazer terapia. Tem um sentimento de perda, sim. Eu precisava fazer algo para ocupar a cabeça e, já que não gosto de praticar esportes, fui fazer terapia. E me ajuda muito até hoje.

Quando me separei, descobri que sou uma pessoa muito forte, que consigo chegar em qualquer objetivo que idealizar pra mim. Eu era tão protegida, tinha aquele gestor em casa, porque mesmo eu trabalhando, o meu dinheiro era só pra mim. De repente, eu me vi sozinha. Hoje eu estou com meu trabalho. Hoje eu consigo decidir quem eu quero na minha vida.

Eu comecei a trabalhar aos 18, ele nunca foi uma limitação prática, eu consegui seguir. Mas havia muita interferência, sim. Por exemplo, quando íamos ao ginecologista, parecia que era ele que estava grávido, ele que falava por mim, eu não tinha voz. Eu não sabia resolver nada. E tudo piorou quando fiquei desempregada, fiquei muito doméstica. Só cuidando da casa, dos meninos.

Decidi fazer um curso de cabeleireira, de designer de sobrancelha e, no contato com aquelas mulheres, vi realidades que não eram a minha. Fiquei sem saber como lidar com aquelas situações, e meu ex-marido disse: 'O mundo lá fora é uma selva e você tem que aprender a lidar com isso. O problema é que você está muito isolada. Você vive sua vida para os meninos, tá errado. Você tem que ter a sua vida'. Foi quando eu despertei, voltei a trabalhar e meu mundo começou a funcionar.

Amanhã estou indo a Salvador para o aniversário de uma amiga e penso ‘Poxa, Verônica, que bom você estar fazendo isso sem depender de ninguém’. Cada dia é um aprendizado. E os filhos ensinam muito. Depois que me separei, tentei me envolver com uma pessoa mais velha. Fui conversar com meu filho e ele disse: 'Para você se envolver com alguém, precisa estar bem com você. Se você não está bem com você, como é que você vai se envolver emocionalmente. Primeiro se cure, viva seu luto, e siga'.

Estou há seis anos separada, depois de 27 anos. É muito difícil porque, mesmo que não haja mais o amor, você sente o impacto, aquela dependência. Minha terapeuta diz para mim que o que eu via nele era uma proteção de pai, uma coisa paternal.

Eu só percebi como casei nova, como perdi uma época da minha vida, quando veio a traição. Havia todos os desgastes, mas eu só me separei quando descobri. Até porque é uma coisa que vem da sua estrutura familiar, que casamento é pra sempre. Mas era pra eu ter me separado muito antes, quando os meninos estavam menores, mas eu queria formar meus filhos. Eu sempre lutei muito e, graças a Deus, os dois estão formados, com a vida encaminhada. Hoje eu não sei se eu teria que passar por tudo. Poxa, será que eu esperaria tanto tempo para tomar uma decisão?

Hoje eu vejo que a minha separação foi uma decisão muito boa, porque eu cresci. Antes eu ainda era a Verônica que saiu da casa dos pais aos 15 anos, com medo, que vivia sob a proteção do marido. Foi bom, um crescimento. Consigo andar com as minhas pernas e não preciso de homem para isso."

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