Inimigos que tentaram derrubar Papa Francisco enfrentam momento crítico, diz jornal
Conservadores acreditavam que, após João Paulo II e Bento XVI, rumo da Igreja seria neoconservador; Francisco contrariou expectativa, que teria acendido chama da oposição
Um ápice de tensão no Vaticano aconteceu há cinco anos, quando um livro assinado pelo Papa Emérito Bento XVI e o cardeal ultraconservador Robert Sarah se posicionava contra o celibato opcional e a ordenação de homens casados — tema central do Sínodo sobre a Amazônia, em 2019. A publicação foi vista como interferência direta nas decisões do Papa Francisco.
Mas o conflito vinha de antes, segundo o jornal El País, da Espanha. Desde 2013, bispos americanos já demonstravam resistência ao novo pontífice. Segundo o teólogo Massimo Faggioli, os conservadores acreditavam que, após João Paulo II e Bento XVI, o rumo da Igreja seria sempre neoconservador. Francisco contrariou essa expectativa, e isso teria acendido a chama da oposição.
O episódio decisivo ocorreu em 26 de agosto de 2018, durante uma visita papal à Irlanda. O arcebispo Carlo Maria Viganò, ex-núncio em Washington, acusou Francisco de acobertar os abusos do cardeal Theodore McCarrick, exigindo sua renúncia numa carta de 11 páginas. O gesto foi o auge de uma campanha articulada por setores conservadores, com apoio direto dos EUA.
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Com Donald Trump na presidência, cresceu a oposição a um Papa ecologista, anticapitalista e crítico das políticas antimigratórias. Steve Bannon, ex-assessor de Trump, instalou-se em Roma, onde tentou fundar uma “escola do populismo”. Aliados como o cardeal Raymond Burke e o teólogo Gerhard Müller buscaram fragilizar a imagem intelectual de Francisco.
Enquanto isso, o catolicismo crescia politicamente nos EUA: 72 milhões de fiéis e um terço do Congresso se identifica com a fé. Contudo, as vocações caíram e os escândalos de pedofilia abalaram a Igreja americana. Ainda assim, a influência conservadora sobre o Vaticano aumentava.
A renúncia de Bento XVI também alimentou essa divisão. Sua imagem foi usada como símbolo do conservadorismo, apesar de ele nunca ter assumido esse papel. O secretário Georg Gänswein, crítico de Francisco, intensificou esse cenário.
Apesar das pressões, Francisco seguiu firme. Em fevereiro deste ano, criticou em carta as deportações em massa do governo Trump. A resposta do ex-chefe migratório Tom Homan foi irônica: “O Vaticano tem um muro, não tem? Cuide dos seus próprios assuntos”.
“Francisco nunca se intimidou. Suas escolhas refletiram convicções, não medo”, afirma Faggioli. Com Joe Biden, houve um alívio temporário, mas a Igreja americana permanece dividida. A ascensão de J. D. Vance, atual vice-presidente e símbolo do neotradicionalismo católico, mostra que a disputa pelo futuro da Igreja está longe do fim.
E, em uma última ironia, Francisco passou parte de seu último dia de vida recebendo o próprio Vance no Vaticano.

