Irmã de vítima do Cefet diz não acreditar em versão da instituição sobre conduta com assassino
Alline de Souza Pedrotti, de 35 anos, acredita que tragédia poderia ter sido evitada e busca acompanhar investigações sobre o duplo feminicídio no Maracanã
Alline de Souza Pedrotti, de 35 anos, disse não acreditar nas declarações dadas pelo diretor-geral do Cefet, Maurício Motta, sobre a maneira como a instituição lidou com o caso que terminou na morte de sua irmã, a pedagoga Allane de Souza Pedrotti Matos, de 41 anos. A pesquisadora e tradutora afirmou ainda que pretende ir até a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), acompanhada de uma advogada, para acompanhar de perto as investigações e solicitar acesso a documentos.
— Eu não acredito nesse relato. Por isso vou à DHC com uma advogada para acompanhar as investigações de perto e solicitar dados e documentação. Por enquanto, só posso comentar isso, porque é o que tenho. Tenho amigos da minha irmã dentro do Cefet e estou apurando os fatos com eles — disse Alline.
Allane e a psicóloga Layse Costa Pinheiro, de 40 anos, morreram após serem atingidas por disparos de arma de fogo por um colega de trabalho dentro do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Sockow da Fonseca (Cefet), no Maracanã, na Zona Norte do Rio. O autor dos disparos, João Antônio Miranda Tello Ramos Gonçalves, se matou em seguida. O caso é investigado pela DHC como duplo feminicídio.
Ao Globo, Alline relatou que a irmã se queixava desde o início do ano passado de viver com medo, situação que seria de conhecimento do ambiente de trabalho. Em uma conversa entre as duas, em meados de 2024, Allane chegou a pedir que a irmã cuidasse da filha de 13 anos caso algo lhe acontecesse, destacando que o pai da jovem é bastante presente.
Alline disse ainda que a irmã desabafava constantemente sobre como estava sendo penoso continuar trabalhando na instituição.
— Ela comentava que ele era um louco, que não se dava bem com ninguém no Cefet. Pelo que sei, ele fez algo errado e minha irmã apontou. E também não se sentia confortável em ser chefiada por mulheres — relatou.
Por conta das ameaças, Allane chegou a passar meses afastada do trabalho em regime de home office. A informação foi confirmada por Fabiano Magdaleno, professor de Geografia do Cefet e amigo da vítima há quase duas décadas.
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O que diz a direção
De acordo com o diretor-geral do Cefet, Maurício Motta, o funcionário João Antônio havia sido transferido para um setor onde trabalharia apenas com alunos adultos. Além disso, recebeu a chefia de um homem, para evitar casos de misoginia. Antes dessa transferência, foram oferecidas a ele ao menos outras duas opções, todas recusadas. Na verdade, ele reivindicava o retorno ao setor de origem.
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— A equipe já pedia a saída dele, apesar de toda insistência do João, que queria retornar ao seu setor inicial e alegava que o impedimento se constituía em assédio moral a ele, quando na verdade nossa preocupação era preservar tanto a equipe dos dois setores como a ele — disse o diretor-geral.
Maurício Motta afirmou que, pelas atitudes do funcionário, não parecia que ele fosse uma pessoa em perfeito equilíbrio e solicitou que ele passasse por uma perícia médica de cunho psiquiátrico para confirmar sua aptidão ao trabalho no começo do ano. Entre setembro e dezembro de 2024, João havia sido submetido a dois afastamentos cautelares, somando 120 dias, para apuração interna de denúncias de assédio moral e outras acusações infundadas, seguidos de férias.
O laudo apresentado por médicos que acompanhavam o funcionário comprovou sua aptidão para retornar ao trabalho. Não satisfeito, a direção do Cefet solicitou a uma junta médica que reavaliasse o documento, mas o resultado foi confirmado.
— Não tinha como ter mais nenhuma medida de afastamento, então decidiu-se pelo local afastado e pela chefia de um homem — afirmou o diretor-geral.
A partir daí, o alvo deixou de ser apenas as colegas de trabalho e passou a ser a instituição. João entrou com processos na Justiça, incluindo um pedido para que a União revertesse sua movimentação dentro do Cefet. O parecer judicial, emitido três dias antes do crime, concluiu que o Cefet tinha autonomia administrativa e que a União não deveria interferir.
— Talvez tenha sido gatilho para o crime — disse Motta.
Segundo o diretor, no dia do crime, João chegou calmamente, passou pela catraca levando uma mochila e foi trabalhar. O Cefet, como outras unidades de ensino da rede federal, não possui revista ou detector de metais, e a instituição não tinha como saber que o funcionário possuía porte de arma. Segundo as investigações, ele possuía certificado de CAC, categoria que reúne colecionadores, caçadores e atiradores desportivos.
O crime ocorreu à tarde. Allane e Layse trabalhavam em salas diferentes, próximas uma da outra.
Linha do Tempo
João entrou no Cefet em 2014 por concurso público, começando na Divisão de Apoio Pedagógico (Diape), ligada aos cursos técnicos. Em 2020, durante intervenção federal na instituição, assumiu a chefia do setor e iniciou uma série de conflitos com a equipe pedagógica, da qual Layse fazia parte. A equipe procurou a corregedoria da instituição e protocolou denúncias de assédio moral contra João.
Após o fim da intervenção, uma nova direção assumiu o Cefet e, em 2022, João foi transferido para a Divisão de Acompanhamento e Desenvolvimento do Ensino (Dace), onde conheceu Allane, a outra vítima. Os conflitos continuaram, com a diretora como principal alvo. Durante esse período, João solicitou diversas licenças médicas, em sua maioria motivadas por transtornos como depressão, segundo o diretor-geral. Em setembro de 2024, após longo período de afastamento, ele retornou com atestados psicológicos e psiquiátricos, indicando sua aptidão ao trabalho.

