Israel e Irã aderem a cessar-fogo sem formalização por escrito após crítica de Trump
Declarações do presidente americano revelaram irritação com o risco de não conseguir uma vitória diplomática após os insucessos nas negociações envolvendo Gaza e Ucrânia
O presidente dos EUA, Donald Trump, reivindicou o crédito pelo fim das hostilidades entre Israel e o Irã nesta terça-feira, enquanto os dois lados declararam uma “vitória histórica” sobre o adversário após um cessar-fogo parecer pegar tração horas depois de quase ter fracassado.
Sob risco de que uma troca de ataques impedisse a trégua assim que anunciou a entrada em vigor da medida, o republicano criticou, incluindo com o uso de um palavrão, os dois países — mais duramente seu aliado Israel.
As declarações, apontadas como atípicas para um líder que tenta manter ao menos publicamente a postura de um negociador frio, revelaram irritação com o risco de não conseguir uma vitória diplomática após os insucessos nas negociações envolvendo Gaza e Ucrânia.
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— Basicamente, temos dois países que lutam há tanto tempo e com tanta força que não sabem que porra estão fazendo — disse um irritado Trump antes de embarcar para uma reunião da Otan, a principal aliança militar ocidental, em Haia. — Não estou feliz com Israel. (...) Não se pode, na primeira hora [após o anúncio de uma trégua], simplesmente lançar todas as bombas que se tem. Não estou feliz com eles. Não estou feliz com o Irã também.
Tom duro com Netanyahu
O cessar-fogo foi anunciado por Trump por volta das 18h (19h em Brasília) de segunda-feira, dois dias após o bombardeio americano contra três instalações nucleares iranianas e poucas horas depois de um ataque lançado por Teerã contra bases militares americanas na região.
Após a decolagem do Força Aérea Um, Trump disse que foi “direto e firme” com o premier de Israel, Benjamin Netanyahu, sobre o que era necessário para sustentar a trégua. Em sua rede social, Truth Social, também manteve o tom duro, criticando a promessa israelense de retaliar uma suposta violação do cessar-fogo pelo Irã: “ISRAEL. NÃO LANCE AQUELAS BOMBAS. SE O FIZER, SERÁ UMA GRANDE VIOLAÇÃO. TRAGA SEUS PILOTOS DE VOLTA PARA CASA, AGORA!”
Numa segunda publicação 40 minutos depois, ele completou: “ISRAEL não vai atacar o Irã. Todos os aviões darão meia-volta e voltarão para casa, enquanto fazem um amigável ‘Aceno de Avião’ para o Irã. Ninguém se machucará, o cessar-fogo está em vigor! Agradecemos a sua atenção!”
Segundo o jornal israelense Haaretz, a reprimenda pública pegou autoridades do país de surpresa. Depois das declarações, Israel reconheceu que havia atacado uma instalação de radar perto de Teerã três horas antes de o cessar-fogo entrar em vigor, às 7h locais (1h em Brasília). O governo israelense também afirmou que conteve ataques adicionais depois de Trump falar ao telefone com Netanyahu. Há informações de que jatos da Força Aérea israelense foram ordenados a voltar do espaço aéreo iraniano sem lançar qualquer ataque.
Com o cessar-fogo passando a funcionar, Trump mudou o tom, afirmando que “tanto Israel quanto o Irã quiseram parar a guerra, igualmente!”. Também apontou seu protagonismo ao relacionar os bombardeios contra instalações nucleares do Irã no fim de semana, que ordenou, ao fim das hostilidades. “Tive a grande honra de destruir todas as instalações e capacidades nucleares e, assim, PARAR A GUERRA!”
Mas um relatório compilado pela Agência de Defesa de Inteligência dos EUA sugeriu o contrário. Segundo o documento, os bombardeios americanos bloquearam as entradas de duas das três instalações atacadas, mas não destruíram suas construções subterrâneas. De acordo com as conclusões preliminares, os ataques atrasaram o programa nuclear do Irã em apenas alguns meses. Também autoridades indicam não saber o paradeiro de 400kg de urânio enriquecido, com o vice-presidente americano, J.D. Vance, sugerindo ontem que o material continua intacto.
Apesar dos resultados falhos, Netanyahu citou a suposta eliminação da ameaça nuclear iraniana como motivo para celebrar o que descreveu como “vitória histórica” de Israel sobre o Irã, algo que “permanecerá para as gerações futuras”.
— Eliminamos duas ameaças existenciais imediatas: a ameaça de aniquilação por bombas nucleares e a ameaça de aniquilação por 20 mil mísseis balísticos. Se não agíssemos agora, o Estado de Israel logo enfrentaria a ameaça de aniquilação — disse Netanyahu em discurso na TV, superdimensionando o arsenal iraniano, estimado em 3.000 mísseis balístico pelo Pentágono. — Nós frustramos o projeto nuclear do Irã. E se alguém no Irã tentar reconstruí-lo, agiremos com a mesma determinação, com a mesma intensidade, para frustrar qualquer tentativa.
Narrativas de vitória
Netanyahu também fez longos elogios a Trump pela ação na guerra contra o vizinho, destacando que a adesão dos EUA “não apenas na defesa, mas também na ofensiva”, foi “um evento histórico”.
Já o presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, afirmou que o estabelecimento do “fim de um guerra de 12 dias imposta ao povo iraniano” pelo “aventureirismo” de Israel era testemunho da “resistência heroica da grande nação, cuja determinação faz história”. Ele acrescentou que, se Israel cumprir o cessar-fogo, o Irã também cumprirá, condição que o ministro da Defesa israelense, Israel Katz, também citou em relação a Teerã.
Um alto funcionário da Casa Branca ouvido pelo New York Times sob anonimato disse que a decisão abrupta de Trump de fechar um acordo para interromper o conflito na segunda-feira pegou até alguns dos principais membros do governo de surpresa — embora pessoas do círculo íntimo do presidente, como Vance, o secretário de Estado, Marco Rubio, e o enviado especial ao Oriente Médio, Steve Witkoff, tenham ajudado a pressionar pelo cessar-fogo. Ele não comentou os termos que cada país aceitou, afirmando apenas que o Catar também foi parte da negociação entre israelenses e iranianos.
Segundo o Haaretz, não há um acordo formal por escrito delineando os termos do cessar-fogo. Em vez disso, ambos os lados chegaram a entendimentos verbais, enquanto os EUA se comprometeram a pressionar por novas negociações nucleares, segundo fontes diplomáticas que conversaram com o Haaretz. O Irã diz que a guerra deixou 610 mortos em seu território, e Israel contabilizou 28 vítimas fatais.

