Lavrov fala em motim dentro da Otan e ameniza acusações de perda de objetividade no Brics
Em entrevista coletiva, chanceler russo disse que expansão da aliança militar "não beneficiou ninguém", e chama distribuição de cadeiras no Conselho de Segurança de "injusta"
Em entrevista coletiva após a cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, o chanceler russo, Sergei Lavrov, afirmou que há “motins” e crescentes desacordos dentro da Otan, a principal aliança militar do Ocidente, no momento em que a organização busca elevar os gastos com Defesa.
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Lavrov fez cobranças ao trabalho da agência nuclear da ONU e rejeitou comentários sobre uma suposta falta de objetividade do Brics, afirmando que o bloco reflete "o equilíbrio de interesses" de seus membros.
Na visão de Lavrov, a expansão da Otan rumo à Europa Oriental, uma longeva queixa de Moscou, "não beneficiou ninguém, incluindo os próprios membros da Aliança do Atlântico Norte". E citou supostos ruídos dentro da organização.
— Há divergências cada vez maiores, uma espécie de motim leve está se formando no navio, já que mais e mais países querem ser guiados não por algumas diretrizes ideológicas impostas pelo patrono, mas por seus próprios interesses nacionais — disse Lavrov, citado pela agência Tass.
Apesar de não mencionar nomes, a fala de Lavrov pareceu destinada ao presidente dos EUA, Donald Trump, que no mês passado c onseguiu que os demais membros da aliança concordassem com a elevação do patamar recomendado de gastos dos atuais 2% do PIB para 5% do PIB. Para o republicano, os parceiros europeus precisam se responsabilizar mais por sua defesa, e algumas nações do continente apontam para o crescente risco que a Rússia representa para seus países.
Na ocasião, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que a decisão mostrava quem eram os responsáveis "pela escalada militar global e pela corrida armamentista", e acusou os líderes da aliança de "fabricarem" uma narrativa sobre uma potencial invasão russa "para enganar suas próprias populações". Lavrov, por sua, vez, afirmou há alguns dias que a elevação de gastos era um risco para a própria coesão da Otan.
De fato, nem todos os países aceitaram de bom tom a cobrança ou parecem aptos a cumprir a promessa. Hoje, apenas 23 dos 32 membros da Otan atingiram o recomendado de 2% do PIB em gastos com defesa, e mesmo para os que já superaram este limite ainda não está claro como e quando o novo patamar será alcançado. A Espanha, por exemplo, não aceitou os novos termos.
Lavrov ainda criticou a distribuição de forças no Conselho de Segurança da ONU — no qual a Rússia tem um assento permanente —, afirmando que "o Ocidente há muito tempo recebeu, indevidamente, mais assentos do que tem direito do ponto de vista do equilíbrio real de poder, da correlação de forças na arena internacional". Na véspera, Rússia e China apoiaram, na declaração final, o pleito de Brasil e Índia pela expansão do órgão da ONU.
O chanceler não economizou críticas quando perguntado sobre o papel da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no monitoramento das instalações nucleares do Irã.
Teerã acusa o órgão de politizar suas análises, e de "dar pretextos" aos ataques israelenses de junho, que levaram a uma guerra aérea entre os dois países e culminaram com um bombardeio sem precedentes a instalações atômicas iranianas. Na semana passada, o Irã suspendeu a cooperação com a AIEA.
— O secretariado deve fornecer algumas garantias de que, doravante, cumprirá rigorosamente a autoridade da qual foi investido e não tentará introduzir algumas histórias que serão posteriormente usadas para politização e para promover os interesses unilaterais de membros individuais — disse Lavrov, citado pela agência Tass. —. Essas avaliações têm sido caracterizadas por muitos como ambíguas e, ao contrário de relatórios anteriores do secretariado, permitem uma interpretação que implica que o Irã não está cumprindo suas obrigações de boa-fé.
Ao falar da reunião do Brics, Lavrov rejeitou alegações de que a expansão do bloco tenha afetado sua objetividade, dizendo que “jamais houve esse risco” no bloco, e que não considera essa hipótese como uma ameaça.
Segundo ele, o Brics “sempre se baseou em todas as suas ações nos princípios de igualdade, respeito mútuo e consenso que realmente reflete o equilíbrio de interesses, e não é ditado pelo irmão mais velho”.
— Não posso concordar com tais tentativas de descrever artificialmente o Brics como uma organização que está esgotando seu propósito. Pelo contrário, seu potencial está apenas começando a ser revelado — concluiu o chanceler.

