Lives superproduzidas divertem o público, mas geram polêmicas
Transmissões ao vivo de artistas como o cantor Gusttavo Lima e a dupla Jorge e Mateus receberam críticas na internet por causa da quantidade de pessoas envolvidas nos bastidores
Com tantos shows cancelados em decorrência da pandemia do novo coronavírus, os artistas tiveram que arrumar um jeito diferente de se conectarem com os fãs mesmo que a distância. As transmissões ao vivo pelas redes sociais, que começaram de um jeito simples e despretensioso, se transformaram em superproduções nas mãos de figuras famosas da música brasileira. Se por um lado as lives grandiosas têm garantido o entretenimento do público em quarentena; por outro, sobram críticas aos formatos adotados por alguns.
A apresentação transmitida em tempo real pela dupla Jorge e Mateus, no último sábado (4), gerou uma grande repercussão. Os sertanejos atingiram 3,1 milhões de acessos simultâneos e 25 milhões de visualizações durante o show, que teve mais de quatro horas de duração. Uma foto que circulou na internet, no entanto, revelou a aglomeração de pessoas trabalhando nos bastidores, incluindo um garçom, que vez ou outra aparecia no vídeo, servindo cerveja da marca patrocinadora. Segundo a assessoria de imprensa dos cantores, a equipe contou com 18 pessoas, que se revezaram ao longo da processo de produção e utilizaram equipamento de proteção. O evento conseguiu arrecadar mais de 216 toneladas de alimentos, 10 mil frascos de álcool gel e 200 cursos para a área da saúde.
O cantor Gusttavo Lima foi o primeiro a ostentar na produção de uma live. No dia 28 de março, ele comandou uma apresentação dentro da sua própria mansão, com direito a quatro músicos de apoio, câmeras, garçons e equipe técnica. A estrutura de luxo contrasta com as transmissões feitas por artistas internacionais, como Dave Grohl, Miley Cyrus e Chris Martin, que optaram por gravações simples, feitas por eles próprios. A fala do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante a live de Jorge e Mateus, reforça a necessidade do isolamento. “É importante que a música chegue, mas é importante não aglomerar. O show não pode parar, mas a aglomeração tem que parar”, afirmou o ministro.
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Outros artistas brasileiros já demonstraram opiniões contrárias às grandes produções. O ex-vocalista da banda O Rappa, Marcelo Falcão, utilizou as redes sociais para se manifestar, no domingo, um dia após fazer uma apresentação ao vivo simples, só com voz e violão, em sua casa. “Essa parada de live é uma coisa para ser de coração, como se fosse uma roda de amigos numa vibe boa. Virou competição levar um som para alegrar esse momento difícil, é a parada. Música não é competição de quem ostenta mais. Música é sentimento. Deixar fluir”, escreveu.
Foto dos bastidores de live da dupla Jorge e Mateus recebeu críticas - Crédito: Reprodução/Instagram
Filipe Prohaska, médico infectologista da Universidade de Pernambuco (UPE), chama atenção para os riscos que envolve a aglutinação de diversos profissionais em um mesmo ambiente durante as gravações. "Como as pessoas estão cantando, há a propensão de gotículas no ar. Nesse caso, assim como em outros, deve ser mantida a distância regulamentar mínima de um metro e meio entre uma pessoa e outra", alertou. Também é preciso ter cuidado com os equipamentos utilizados. "Toda essa estrutura que você traz de fora passou pelas mãos de muita gente. Por isso, é essencial fazer a limpeza do material inteiro, assim que ele chegar ao local. Isso pode ser feito com água e sabão, álcool em gel ou álcool isopropílico, dependendo do tipo de material", explicou.
Menos é mais
O Festival Palco Em Casa vem reunindo vários nomes da música brasileira através do perfil da Secretaria de Turismo de Pernambuco no Instagram (@descubrapernambuco). O cantor André Rio, idealizador do projeto, defende o papel de entretenimento das lives, mas afirma que cuidados essenciais não podem ser deixados de lado. “Nesse momento, menos é mais. A gente não pode querer o bem das pessoas fazendo música, mas indo na contramão de tudo aquilo que a OMS e o Ministério da Saúde estão propagando para que essa pandemia se espalhe ainda mais. Fazemos questão de que todos os artistas que participam do festival passem a imagem daquilo que estamos pregando”, comentou o músico, em entrevista à Folha de Pernambuco.
O Palco em Casa entra na sua terceira semana a partir desta quinta-feira, contabilizando 30 shows transmitidos até agora, com nomes como Elba Ramalho e Dudu Nobre envolvidos. Nesta semana, a novidade é a participação de artistas de fora do Brasil. Os fadistas portugueses Lilian Raquel e Cláudio César Ribeiro se apresentarão no domingo, a partir das 19h. “As lives têm sido vitais para a manutenção da saúde mental de todos, incluindo os próprios artistas. A gente vê pelas mensagens o quanto as pessoas estão carentes de receber outro tipo de conteúdo, em meio a tantas notícias pesadas. Nesse momento tão difícil, é assim que nós artistas podemos contribuir”, disse André Rio.


