"Negacionistas estão empoderados", diz presidente do Ibama após Câmara flexibilizar licenciamento
Rodrigo Agostinho afirma que o órgão pedirá que o presidente Lula vete trechos do texto aprovado na Casa na quarta-feira
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, passou 19 horas na Câmara dos Deputados na quarta-feira (16), como uma tentativa de negociar o adiamento da votação do projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental. O texto foi aprovado na Casa, por 267 votos favoráveis e 116 contrários, às 2h da madrugada dessa quinta (17) e com um plenário esvaziado.
Em entrevista ao Globo, Agostinho afirmou que o órgão pedirá que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete trechos da proposta e destacou que "vivemos um momento em que setores negacionistas se sentem empoderados".
O Ibama vai pleitear que o Lula vete o PL do licenciamento?
O Ibama solicitará vetos ao governo. Tem muita gente que acha que, no Brasil, o meio ambiente e o desenvolvimento não podem andar de mãos dadas. O projeto aprovado, que era para ser uma lei geral de licenciamento ambiental, se tornou um texto de não licença. Entre as prioridades no nosso pedido de veto está a questão da criação da licença auto declaratória para empreendimentos de baixo e médio impacto. Para se ter ideia, 90% da atividade industrial do país é de médio risco. O mesmo vale para 80% da mineração. O projeto também acaba com a figura dos impactos indiretos que, em muitas obras, são maiores do que os diretos. Também vamos pedir o veto do trecho que determina que povos originários, comunidades ribeirinhas, e aqueles que não possuírem terras completamente tituladas ou demarcadas, não serão mais considerados nos processos de licenciamento. Isso é muito grave. Imagine uma estrada que passa em cima dessas comunidades. Mesmo que não esteja demarcada, existem pessoas vivendo ali.
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Então o veto do Lula ao projeto deveria ser integral?
O Ibama é uma instituição federal, mas a decisão sobre o veto cabe ao presidente. Acredito que precisamos trabalhar tanto com vetos quanto com a possibilidade de corrigir itens com outro projeto de lei ou medida provisória. Tem pontos no projeto que não adianta vetar se não apresentarmos uma solução. O tópico do saneamento, por exemplo, é tratado no texto em três artigos, todos de formas diferentes. O texto tem trechos inconstitucionais, mas também tem partes que são repetições da legislação que a gente já tem. Não faz sentido vetar o que já está em vigor. Caberá à Casa Civil fazer essa avaliação.
O texto foi apelidado por ambientalistas como “PL da Devastação”. Você concorda?
O licenciamento ambiental está intimamente ligado à ocupação de novas áreas e, sim, isso significa facilitar o desatamento. Estamos trabalhando desde o início do governo para reduzir o desmatamento no país. No ano passado, tivemos um problema gravíssimo de incêndios, cujo resultado repercute até hoje. O desmatamento por corte raso diminuiu no país, mas se a gente passa a ter os fazendeiros fazendo as próprias licenças ou estando dispensados de licenças, há um risco enorme de aumentar a devastação. Cabe destacar que a nossa legislação não é perfeita. Ela tem lacunas. Temos atividades no Brasil de altíssimo risco e não se pode flexibilizar ainda mais o licenciamento.
O governo trabalhou para que o projeto não fosse aprovado no Congresso?
Acompanhamos o texto desde a primeira aprovação, em maio de 2021, e houve empenho para que o projeto não fosse aprovado. O governo dialogou muito com os relatores na Câmara e no Senado. Esse projeto cria muita insegurança jurídica para todo mundo, inclusive para os empreendedores. Se eu estivesse investindo em algo, gostaria que tivesse uma licença bem-feita.
A área ambiental é uma prioridade para o governo Lula?
Sim. O Ibama está sendo reestruturado e o governo retomou agendas importantes na área de conservação da biodiversidade. A ministra Marina tem conduzido o tema em debates internacionais, nos quais o Brasil está liderando grandes blocos.
O senhor acredita haver um ataque orquestrado contra o Ibama no Congresso?
Acredito que não. O que acontece é que o Ibama personaliza o combate ao desmatamento. Quando o Ibama chega na Amazônia, identifica e destrói o garimpo, ele não está fazendo amigos. Também vivemos um momento em que setores negacionistas se sentem empoderados. Há um negacionismo climático muito forte em setores políticos no mundo. Como resposta a isso, posso dizer que o Ibama trabalha fazendo política pública baseada em evidência, do lado da ciência.
Parlamentares criticam uma suposta lentidão do Ibama na questão do licenciamento. O que leva à demora nos processos?
Três fatores têm grande influência. O primeiro é a complexidade do Brasil, que tem espaços bem sensíveis ambientalmente. Metade do país está protegida por uma vegetação nativa. Temos povos tradicionais e 8 mil quilômetros de costa. Uma grande biodiversidade. Outro ponto estruturante é a baixa qualidade dos projetos e estudos ambientais entregues a nós. Isso não cabe ao Ibama. É preciso que os empreendedores invistam no planejamento. Cabe ao Ibama melhorar a estrutura de análise. De fato, a maioria dos órgãos ambientais não tem equipe mínima para dar conta da demanda das licenças.
Como o Ibama trabalha para alterar esse cenário?
O Ibama está em uma fase de recuperação de estrutura. Temos hoje 234 analistas para analisar quatro mil processos de licenciamento ambiental em tramitação. Nos dois primeiros anos de governo, emitimos 1.500 licenças e autorizações. Então, ao mesmo tempo que temos uma alta produção, a estrutura é insuficiente, o que também acontece nos estados. O Ibama acabou de realizar um concurso e a expectativa é que consigamos dobrar o número de analistas para o licenciamento ambiental até o final do ano.
Prestes a presidir a COP30, o Brasil está fazendo o dever de casa e se mostrando como um líder na discussão ambiental?
Não tenho dúvidas. Estamos melhorando a infraestrutura dos órgãos ambientais. Temos, hoje, um volume enorme de tecnologia sendo aplicado no combate ao desmatamento, além de equipes trabalhando com inteligência dentro da Amazônia para identificar o crime organizado. Isso tem sido prioridade do governo. Mas, obviamente, política nacional não se faz só dentro do órgão ambiental. A gente precisa que todos os setores atuem, inclusive o Legislativo.
Qual a posição do Ibama no licenciamento da BR-319?
O Ibama faz uma análise técnica do empreendimento. No caso da rodovia, o governo passado emitiu uma licença prévia. A BR-319 preocupa pelos impactos indiretos. Ela divide a Amazônia no meio. Se a gente repetir o que ocorreu na Transamazônica ou na BR-163, falaremos de milhares de hectares de floresta que vão para o chão. Por isso estamos sendo tão cuidadosos. O que estamos discutindo nos ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes é a definição de estratégias de governança para que, uma vez pavimentada, a via não se transforme em um grande vetor de desmatamento, já que as rodovias sempre foram um foco de abertura de novas fronteiras para a destruição na Amazônia.
E a exploração de petróleo na Margem Equatorial?
No caso do petróleo, estamos falando de uma nova fronteira, uma região que não tem infraestrutura e carece de estudos. Por isso, o Ibama está sendo tão cuidadoso. Assim como no caso da BR-319, a decisão sobre a Margem Equatorial será técnica. Não é algo ideológico, como algumas pessoas querem transparecer. O Ibama emite posicionamentos técnicos, e o governo tem respeitado isso.
Não há uma pressão de Lula?
Não. O governo está respeitando. Também vejo com muita naturalidade que a sociedade, de maneira geral, ou setores como o empresarial, cobrem uma resposta para essas questões. É natural, em uma democracia, que as pessoas questionem e tentem entender, por exemplo, o porquê de uma via não estar asfaltada.
A aprovação da flexibilização do licenciamento indica que o governo terá novas dificuldades no Congresso até 2026?
Não tenho como opinar. Acredito que o país teve a aprovação de temas importantes para a área ambiental também com o Congresso. É a legislatura atual que fez a revisão da lei de gestão de florestas públicas e aprovou o mercado de carbono, além de iniciativas relevantes relacionadas ao combate aos incêndios florestais. As coisas não se esgotam apenas olhando para o projeto do licenciamento.

