Oito pessoas morrem durante confrontos no Rio em menos de uma semana
Nesta terça, durante operação policial no Complexo da Maré, zona norte, cinco pessoas morreram e outros oito ficaram feridas, durante operação do Bope
Em seis dias, ao menos três pessoas foram mortas por balas perdidas durante ações policiais nas zonas norte e oeste do Rio de Janeiro. No complexo da Maré cinco pessoas morreram e outras oito ficaram feridas. Entre os atingidos durante os últimos confrontos está o músico Rodson Gomes, o MC Rodson, que precisou ser operado, mas não corre risco de morte.
Na quinta passada (1º), um adolescente de 14 anos foi atingido por um tiro na favela da Cidade de Deus, zona oeste. Ele chegou a ser socorrido, passou por três cirurgias, mas não resistiu e morreu na madrugada de sexta-feira (2).
Na manhã de sábado (3), outro menino, de 16 anos, morreu, ao ser baleado dentro de casa, quando fechava a janela por causa do barulho de tiros no Morro da Fé, na Penha, zona norte.
No domingo (4), foi a vez de um jovem de 17 anos, atingido por um tiro quando andava de bicicleta na favela de Manguinhos, zona norte, durante confronto entre policiais e criminosos que atacaram as bases da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) local.
Segundo parentes das três vítimas, os adolescentes não tinham relação com o tráfico de drogas. No momento em que os três foram atingidos, as forças de segurança do Rio faziam operações nas favelas com o objetivo de coibir quadrilhas que exploram a venda ilegal de drogas.
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Nesta terça-feira (6), durante operação policial no Complexo da Maré, zona norte, outras cinco pessoas morreram e outros oito ficaram feridas, durante operação do Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar). A informação foi confirmada pelo porta-voz da Polícia Militar, major Ivan Blaz.
A ação começou por volta de 1h nesta terça-feira (6) e, até as 15h, não havia sido encerrada.
Segundo Blaz, a ação na Maré foi emergencial e ocorreu devido a informações de uma concentração de traficantes de várias comunidades na região. "Bandidos da Maré e inclusive de outras comunidades estavam em reunião na comunidade e isso motivou a ação." O major não explicou o objetivo da mobilização dos traficantes.
De acordo com informações da ONG Redes da Maré, o professor William de Oliveira, 35, e a tatuadora conhecida como Zezé, ambos moradores da comunidade, morreram na Nova Holanda. Zezé foi atingida de madrugada e o professor pela manhã. As vítimas foram retiradas da favela por moradores com auxílio de um carrinho de mão. Os corpos foram levados para beira da avenida Brasil -uma das mais movimentadas do Rio.
Familiares de Oliveira estão na DH (Delegacia de Homicídios), na Barra da Tijuca, zona oeste carioca, para prestar depoimento.
A terceira vítima foi identificada como Thiago Ramos Pereira. Ele chegou morto ao Hospital Federal de Bonsucesso com um tiro na cabeça. Outras duas vítimas não foram identificadas.
Além do Bope, participam da ação o BPChq (Batalhão de Polícia de Choque) e o BAC (Batalhão de Ações com Cães). Os grupos atuam nas comunidades do Parque União e Nova Holanda. De acordo com a polícia, o 22º BPM (Maré) montou um cerco no local. O objetivo da ação, segundo a PM, "é restabelecer a rotina dos moradores e prender os criminosos envolvidos na disputa do tráfico de drogas local".
De acordo ainda com a PM, policiais apreenderam na região 300 kg de drogas em tabletes, uma pistola Taurus 9mm, uma sacola de pó branco amarelado, uma motocicleta roubada, um fuzil (Airsoft) AK-47, dois canos de fuzil FAL7 e 62 mm, uma luneta, um colete balístico e uma granada.
A Redes da Maré afirmou que a operação levou pânico aos moradores e se estendeu pelas localidades Rubens Vaz e Parque Maré. Moradores relataram diversos confrontos na região e a presença de blindados do Bope. Escolas e postos de saúde das favelas da Nova Holanda e Parque União não abriram.
Moradores da Maré realizaram uma manifestação contra a operação policial. Nas redes sociais, moradores comentaram que o confronto foi tão intenso durante a madrugada que era possível ouvir os tiros em bairros vizinhos.
"A Guerra do Iraque se mudou pra Ramos [bairro da zona norte próximo à Maré]? Daqui da estação [de trem] dá pra ouvir", disse um morador.
"Consigo ouvir da estação [de trem] de Bonsucesso", comentou outro.
"Estou ouvindo barulho de várias sirenes na Avenida Brasil", disse uma moradora ainda durante a madrugada. "Ninguém merece tanto terror", lamentou outra pessoa.
A dura estatística ocorre devido ao aumento das operações policiais no âmbito da intervenção federal na segurança pública do Rio. Desde fevereiro deste ano que a secretaria estadual de Segurança Pública está sob o comando de um interventor nomeado pelo presidente Michel Temer (MDB).
O general da ativa do Exército Walter Braga Netto tem o comando da secretaria, além de acumular a chefia dos agentes penitenciários e bombeiros. O também general da ativa Richard Nunes ocupa a cadeira de secretário de Segurança.
Desde o início da intervenção que policiais fazem ações frequentes de combate ao tráfico nas áreas carentes do estado, parte das quais com o apoio de homens e recursos das Forças Armadas. O aumento da frequência das ações também fez subir a quantidade de mortos em decorrência de ação policial.
De fevereiro a setembro deste ano, 1.024 suspeitos foram mortos em ações policiais, segundo levantamento do jornal O Globo. O total dá uma média de quatro mortes de suspeitos por dia.
Considerados os dados de janeiro, nos nove meses deste ano, a estatística, de 1.181 mortes do tipo, já supera o total registrado ao longo de todo o ano passado, de 1.127 mortes de suspeitos, segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública).
Sob críticas de organizações de direitos humanos em razão dos recordes de mortes policiais, a intervenção conseguiu fazer cair, no entanto, as estatísticas de roubos de carga e também do roubo de rua. Também caíram os indicadores de produtividade policial, medida pela quantidade de apreensões de armas e prisões por cumprimento de mandados judiciais.
As mortes ocorrem também em momento em que o governador eleito Wilson Witzel (PSC) promete o aumento dos confrontos e mortes por policiais em operações em favelas. Witzel, eleito com discurso duro contra a criminalidade e apoiado na popularidade do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), tem prometido utilizar atiradores de elite para "abater" criminosos que estejam portando armas de guerra no Rio.
A medida seria ilegal, já que a Constituição Federal proíbe ações desse tipo. O recomendado, já que não existe pena de morte no Brasil e a Constituição garante julgamento justo a todos, seria tentar prender bandidos que, apesar de armados, não estejam ativamente disparando contra as forças policiais.
O governador eleito, contudo, disse que irá incentivar a prática e que utilizaria recursos do estado para evitar condenação de policiais na Justiça por eventuais más condutas.
HISTÓRICO
Quinta passada, o adolescente Thiago de Souza Mendonça, 14, brincava a noite em uma praça na Cidade de Deus, quando foi atingido. Ele chegou a correr e pedir ajuda à mãe, mas não resistiu depois de ser levado ao hospital e passar por três cirurgias na madrugada de sexta.
A PM não confirmou a ocorrência de confrontos na região no momento em que Thiago foi atingido. Relatos nas redes sociais, contudo, davam conta da movimentação policial na favela na ocasião. Sem dinheiro para o sepultamento, a família teve que manter o corpo do jovem por quatro dias no IML (Instituto Médico Legal), antes do enterro, ocorrido nesta segunda (5).
Também nesta segunda foi enterrado Wanderson Santos, 16, morto no Morro da Fé, na Penha, na manhã de domingo. Ele dormia na casa de uma tia e acordou quando começou um tiroteio na região. Ele foi atingido nas costas quando fechava a janela de seu quarto. O menino, que sonhava em ser militar, chegou a ser socorrido ao hospital, mas não sobreviveu.
Na noite de domingo (4), criminosos atacaram as bases da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) de Manguinhos, na zona norte. Três PMs e um suspeito foram feridos no confronto, em que foi atingido um jovem de 17 anos, cuja identidade não foi divulgada. Ele também foi levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos.
Nesta segunda, o músico Rodson Gomes, o MC Rodson, foi baleado quando passeava com seu cachorro no Complexo da Maré, comunidade marcada pelos frequentes casos de violência e que fica às margens da Linha Vermelha e da Baía de Guanabara.
MC Rodson possuía 600 mil seguidores em suas contas nas redes sociais e, inclusive, uma música em que clamava pela paz no local em que mora.

