Sáb, 06 de Dezembro

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opinião

A Black Friday que virou um mês: quando o consumo se transforma em maratona

Novembro já não é mais o mesmo. O que antes era uma data aguardada com expectativa (a sexta-feira da Black Friday) se transformou em um mês inteiro de ofertas, alertas e estratégias de marketing que disputam a atenção (e o bolso) do consumidor. A chamada Black November é, na prática, a institucionalização da pressa: uma corrida de descontos que promete vantagens a quem compra antes, mas que levanta uma pergunta inevitável, ainda faz sentido esperar pela sexta-feira oficial?

Os números sugerem que sim. Segundo levantamento da Cuponation, os descontos da Black Friday costumam ser, em média, 10% a 15% maiores do que os das semanas anteriores. Em categorias como móveis, decoração e artigos esportivos, essa diferença pode chegar a 80% no pico da temporada. Ainda assim, o avanço das promoções antecipadas não é um erro de cálculo das varejistas, mas uma estratégia deliberada para diluir a disputa por atenção e manter o consumo aquecido durante todo o mês.

A Black November, portanto, não nasceu para beneficiar o consumidor, e sim para redistribuir o apetite de compra. Em um contexto de inflação persistente e crédito caro, o varejo tenta amenizar margens comprimidas oferecendo o que parece ser vantagem imediata: descontos “antecipados” que, muitas vezes, apenas repetem preços anteriores. A psicologia do consumo, nesse cenário, troca planejamento por urgência.

O comportamento do consumidor também mudou. A pandemia e a digitalização aceleraram a migração para o e-commerce, mas deixaram como legado uma desconfiança maior. Hoje, comprar é comparar. Plataformas de monitoramento de preços e alertas de variação viraram ferramentas contra “falsos descontos” e, paradoxalmente, prolongam o ciclo da decisão. O que antes era uma escolha de um dia tornou-se uma espera estratégica: “compro agora ou o preço vai cair mais?”.

Outro ponto pouco percebido está na formação de preços. Marcas que produzem seus próprios produtos têm mais liberdade para reduzir valores, enquanto varejistas que revendem dependem das campanhas das fabricantes, especialmente no caso de tecnologia. Por isso, itens premium, como smartphones e consoles, tendem a ficar mais baratos apenas na sexta-feira oficial, quando as marcas entram no jogo com ações coordenadas.

Do lado do consumidor, a racionalidade muitas vezes perde para a ansiedade. O receio de perder uma oferta, somado ao discurso de “estoque limitado”, leva muitos a comprar antes mesmo sabendo que o desconto pode ser maior dias depois. É o FOMO (fear of missing out), amplamente explorado pelo marketing digital e pelas notificações de “últimas unidades”.

Mas o ponto não é demonizar o consumo, e sim repensar o que entendemos por vantagem. Descontos podem ser oportunidades reais, desde que orientados por informação e planejamento. O problema surge quando a lógica do imediatismo transforma o consumidor em refém de um calendário comercial sem pausa.

O que era um evento de um dia se tornou um sintoma de um novo tempo: o consumo contínuo, em que o impulso substitui a reflexão e o algoritmo decide o que é urgente. A Black Friday do clique virou a Black November dos estímulos constantes. E, no fim, o maior desafio talvez não seja encontrar o melhor preço, mas aprender a respirar antes de comprar.



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