Sáb, 06 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
opinião

A Democracia não tem um único salvador

Não é raro encontrar, nas redes sociais, jovens jornalistas que atribuem a um determinado juiz o feito de ter “salvado a democracia brasileira”. O gesto pode parecer ingênuo, mas revela algo mais grave: o desconhecimento do caminho longo, penoso e coletivo que o país percorreu até a conquista do Estado de Direito. Trata-se, portanto, de uma injustiça histórica.

A democracia brasileira não nasceu de um ato individual nem de uma sentença isolada, mas da resistência de milhares de brasileiros — os Joões, Pedros, Marias, Joaquins e Severinos — que enfrentaram, com coragem e esperança, os anos duros da repressão e da censura. Juízes, jornalistas, professores, operários, religiosos e estudantes arriscaram suas vidas para que o Brasil pudesse respirar liberdade. A Constituição de 1988 é, antes de tudo, o resultado desse esforço coletivo, que custou sangue, suor e lágrimas.

Atribuir a um único personagem a façanha de ter “salvado o Brasil” é ignorar a grandiosidade do país que temos. O Brasil não se sustenta pela vontade de um juiz, mas pela força de um povo que construiu um parque industrial diversificado, um agronegócio capaz de alimentar parte do planeta, uma cultura que pulsa em todas as regiões e um patrimônio material e espiritual que atravessa séculos. É esse conjunto que torna o país imune a aventuras autoritárias e a fantasias golpistas que não resistem à realidade da nossa complexidade e maturidade institucional.

Infelizmente, em tempos de vaidades exacerbadas e narrativas fáceis, há quem confunda protagonismo com heroísmo. O uso político de cargos públicos, a manipulação do medo e a exploração da insegurança coletiva são os últimos recursos dos que se apegam ao poder como inquilinos de passagem — e, ao fazê-lo, destroem a própria biografia. O que mais preocupa, porém, é o papel de parte da nova geração de comunicadores, que repete e amplifica mitos recentes sem olhar para a história real do país.

Atribuir a “salvação da democracia” a uma figura isolada é reduzir o Brasil a uma caricatura de si mesmo. É colocar a imensidão de um povo dentro de uma caixa de mediocridades e equívocos. O Brasil, com todos os seus desafios, não cabe em narrativas personalistas. É um país que se constrói no plural, com contradições e avanços, mas sempre pela soma de milhões de esforços anônimos. A democracia brasileira não precisa de salvadores — precisa apenas de cidadãos conscientes, vigilantes e comprometidos com a verdade. Para isso temos as urnas eleitorais a cada dois anos oferecendo oportunidades para se passar o Brasil a limpo.
 


___
Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail [email protected] e passam por uma curadoria antes da aprovação para publicação.

Veja também

Newsletter