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A falta de acesso ao planejamento familiar também é uma forma de violência

Nas últimas décadas, o Brasil vem registrando uma queda acentuada na taxa de fecundidade: de acordo com o levantamento mais recente do IBGE, de 2000 para 2023, o índice recuou de 2,32 para 1,57 filho por mulher – e deve cair a 1,44 em 2040, quando chegará ao mínimo. 

Se por um lado esses números significam que as mulheres têm mais controle sobre seus corpos, decidindo se e quando querem ter filhos, por outro eles podem dar a falsa impressão de que esse controle alcança as pessoas de forma ampla, igual e irrestrita, o que infelizmente está longe do que as brasileiras enfrentam no dia a dia.

Em uma realidade marcada por profundas desigualdades socioeconômicas, o acesso à educação, à informação de qualidade e aos próprios métodos contraceptivos ocorre de forma também desigual.

A falta de contraceptivos em Unidades Básicas de Saúde, informações sobre direitos sexuais e reprodutivos e atendimento especializado e sem julgamento para adolescentes são apenas alguns dos desafios impostos a quem depende do poder público para o atendimento de saúde, dificultando o controle da trajetória reprodutiva.

Com isso, mulheres negras, de regiões periféricas e cidades menores, e em situação de maior vulnerabilidade continuam tendo taxas de fecundidade mais altas, o que se configura como mais uma das profundas formas de violência contra mulheres.

O poder público e a sociedade se omitem ao não assegurar seu acesso à informação e aos serviços de planejamento familiar. E ao falhar em reagir ou agir de forma eficaz para a garantia dos direitos, perpetuam um ciclo de desigualdade e exclusão.

Essa negligência estrutural, que se manifesta na falta de políticas públicas adequadas, na insuficiência de recursos e na indiferença em relação às necessidades dessas mulheres, acaba se configurando como uma violência sistêmica. Não é uma violência explícita, como uma agressão física, mas é igualmente devastadora, pois nega às mulheres o controle sobre seus corpos e suas vidas.

Em uma cadeia de problemas, essas mulheres são privadas de oportunidades fundamentais: uma gravidez não intencional na adolescência pode levar ao abandono escolar e à falta de profissionalização, reduzindo as chances de participação plena no mercado de trabalho e na sociedade.

A falta de acesso a métodos contraceptivos e à informação ainda resultam em gestações não intencionais repetidas, muitas vezes em curtos espaços de tempo, perpetuando ciclos de pobreza e aumento de vulnerabilidade.

É preciso agir imediatamente, garantindo conhecimento sobre o corpo, informação de qualidade e acesso a métodos contraceptivos a todas as pessoas. O planejamento familiar é um direito garantido na Constituição.

A violência estrutural revela uma hierarquia social em que as mulheres, especialmente aquelas em situações de vulnerabilidade, são sistematicamente marginalizadas. A sociedade que não se mobiliza para garantir seus direitos está, de fato, perpetuando a opressão e a desigualdade, tornando-se cúmplice de uma violência invisível, mas real e impactante.


* Cofundadora e diretora-executiva do Instituto Planejamento Familiar.

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