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OPINIÃO

A Família, a Empresa e a Sucessão

O professor Alexis Novelino (PUC-SP) ponderou, certa vez, da necessidade de se ampliar o conceito sobre a gestão do patrimônio familiar e do planejamento sucessório. Apontou como pedra angular da questão a essencialidade do diálogo, com clareza de comunicação e a importância da formalização de acertos que ajudarão a enfrentar os problemas humanos que, inexoravelmente, virão à tona, e que poderão causar aflições com pessoas queridas e o empecilho à continuidade próspera do negócio.
 
Diante desse chamado à reflexão acerca do tema, a minha ideia aqui é dizer da relevância de antecipar cenários, estabelecer procedimentos claros e formalizar pactos escritos que nortearão o processo familiar em relação ao negócio que a todos entusiasma e sustenta.

Entendo que o momento propício, para que se instaure esse projeto, seja na plena condição do fundador no comando da empresa/grupo e quando os negócios estão “indo bem”(empreendimentos em derrocada naturalmente tem esse processo precipitado e soluções raramente exitosas).

Inicialmente é imprescindível distinguir o que é a família, o patrimônio da família e o negócio. No estado da arte deveriam ser criados Conselho de Proprietários (que possuem bens familiares); de Administração (para definir as estratégias da empresa) e o Conselho Familiar com todos os membros do núcleo derivado do fundador independente se possuidor de bens ou que participe do negócio, a fim de regular as práticas gerais de convívio. Todos com regras formalizadas e definidas com clareza para que surtam o efeito esperado: O maior deles: Evitar conflito!

Trazendo para uma coisa mais factível, para grupos de pequeno e médio porte, é muito importante ao menos a existência do Conselho de Família (fundador e todos os herdeiros/sucessores), com elaboração formal de um “Acordo de Sócios” e do Conselho de Administração (para tratar de rumos empresariais – membros profissionais).

O primeiro olha e zela pelas regras que vão apontar práticas de melhor convívio de todos que possuem laços sanguíneos/donos ou não da sociedade). O segundo para cuidar da estratégia do empreendimento.

A confusão patrimonial é o melhor caminho para acabar com os dois: Negócio e relações familiares.
Voltando ao processo sucessório, destaco pontos primordiais que não podem ser olvidados: Expor o mais cedo possível a deflagração do processo; separar família do negócio (evitar confusão patrimonial); elaboração do “Acordo de Sócios”; revisão da estruturação societária das empresas; Identificação de vocações/talentos/preparo acadêmico dos herdeiros/possíveis sucessores, entre outros pilares.

Deflagrar o processo (de sucessão) o quanto antes mitiga riscos de situações limite, provocadas por episódios futuros que não controlamos, além de acalmar sentimentos ainda não percebidos ou velados. Uma reestruturação societária criteriosa será grande aliada, principalmente guiada para separar ativos familiares de ativos operacionais, e que também venha a permitir divisões futuras simplificadas, com antecipação de partilhas (se for para o bem da continuidade do negócio e da riqueza familiar). Esta Reorganização nas sociedades empresariais é parte integrante do processo de sucessão.

Um alerta relevante, na área de planejamento fiscal,  a anunciada majoração da tributação sobre doação e heranças com alterações previstas já a partir de 2025 no Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD. Cabe aqui detido olhar sobre uma antecipação de providências.

Com relação ao “Acordo de Sócios” constitui-se em um contrato formal entre sócios de uma mesma empresa ou grupo empresarial, com a finalidade de estabelecer direitos e deveres dos signatários, devendo ser seguido obrigatoriamente pela sociedade e por terceiros. Seu propósito é que os sócios discutam sobre questões futuras antes que, de fato, elas aconteçam e tragam transtornos. Basicamente, esse instrumento deve ter prazo mínimo de vigência de 10 a 15 anos (para não banalizar) e contemplar minimamente:
 
Ø  Definição de quem administrará a sociedade;
Ø  Quóruns de deliberações;
Ø  Regras quanto à remuneração de parentes e distribuição de lucros;
Ø  Direito de preferência na transferência de cotas;
Ø  Direito e obrigação de venda conjunta;
Ø  Definição de critério de avaliação da sociedade;
Ø  Sucessão por causa mortis;
Ø  Quem pode trabalhar na sociedade;
Ø  Regras de não competição com a empresa (para ex-sócios, ex-membros do conselho);
Ø  Regras para solução de divergência – previsão de métodos para mediação de conflitos.

Recordo-me de um caso de uma próspera empresa familiar brasileira, formada por imigrantes italianos do ramo de confecção de fardamentos. Patriarcal. Fundador, esposa, um filho homem – primogênito - e três mulheres. Claramente a sucessora no comando deveria ser a segunda filha.

O pai faleceu na plenitude do negócio. Maior fornecedor de fardas a grupo multinacional de franquias de lanchonetes. A mãe fincou o pé: “Meu filho assumirá o negócio. Ele morre se assim não for”, apesar de nenhuma vocação empresarial. A filha, preparada para liderar o negócio da família, entristeceu e afastou-se. O Rapaz hoje, superada a depressão, passa bem. A mãe arrependeu-se. A empresa, que não aceitou o desaforo, faliu.
 
Empresas familiares têm um papel importantíssimo na economia brasileira, gerando riquezas e empregos. Segundo o IBGE, 90% das empresas nacionais possuem esse perfil.

Essas sociedades carregam consigo bens preciosos na preservação da nossa cultura, no liame de confiança dos entes queridos e na disseminação do ânimo do fundador, que contagia equipes dedicadas e inspira a todos determinação para atingir metas.

Fica, pois, a mensagem da busca constante da transparência, aliada à iniciativa de realizar ações que não devem ser adiadas. Os objetivos são claros: Prosperidade, Harmonia Familiar e Preservação do Legado.


* Controller membro do Instituto Brasileiros de Executivos de Finanças (IBEF)


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