Sex, 05 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
OPINIÃO

A manipulação no esporte e o recado do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, que a conduta de forçar, mediante pagamento, um cartão amarelo durante uma partida de futebol profissional, embora passível de punição na esfera esportiva e eticamente reprovável, não configura o crime de manipulação no esporte previsto no art. 198 da Lei n.º 14.597/2023 (Lei Geral do Esporte).

De acordo com o entendimento prevalecente na 2ª Turma, inaugurado pelo Ministro Gilmar Mendes e corroborado pelo Ministro Dias Toffoli, apesar de a conduta atentar contra a integridade da competição esportiva, a ação individual do jogador, ainda que voltada à obtenção de lucro, não configura o crime de manipulação no esporte, que pressupõe uma conduta direcionada a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado. 

Ainda segundo o Ministro Gilmar Mendes, embora o número de cartões amarelos seja critério de desempate no campeonato, ele é apenas o sexto de uma lista de sete parâmetros, de forma que um cartão forçado, por si só, não seria capaz de alterar o resultado do jogo ou do torneio. 

Se, de um lado, a decisão da Suprema Corte homenageia os princípios da legalidade estrita e da intervenção mínima do direito penal, por outro, ela expõe um vazio legislativo que merece atenção no atual contexto das apostas esportivas.

Embora a conduta isolada de forçar um cartão mediante pagamento não caracterize o crime previsto no art. 198 da Lei Geral do Esporte, já que o direito penal não admite analogias ou interpretações extensivas dos textos legais, é inegável que, quando um jogador força deliberadamente uma advertência disciplinar, cria-se uma oportunidade imediata de falta e potencial chance de gol para o adversário - sem falar nas possíveis consequências da conduta, que podem provocar lesões, suspensões em partidas posteriores e/ou adaptação tática das equipes.

A discussão ganhou ainda mais relevância nos últimos anos, pois, com a proliferação das apostas esportivas de quota fixa, independentemente da regulação, a verdade é que há um mercado robusto e sofisticado em que manipulações periféricas - aquelas que não afetam diretamente o placar - tornaram-se possíveis e extremamente lucrativas. Afinal, apostadores profissionais negociam eventos específicos dentro das partidas, tornando cada acontecimento (cartão, impedimento, substituição, lateral ou escanteio) um ativo financeiro passível de negociação ilícita.

Não por acaso, existem vários projetos de lei em tramitação para combater a manipulação de resultados, entre os quais o PL n.º 513/2024, apensado ao PL n.º 2.541/2023, que busca criminalizar as condutas de solicitar, aceitar, dar ou prometer, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para a prática de qualquer ato no decorrer das competições esportivas.

A recente decisão do STF sobre o tema, longe de representar equívoco interpretativo, configura aplicação adequada do princípio da legalidade estrita no direito penal. O problema, contudo, reside na redação do tipo penal existente, que, como visto, não abarca a complexidade das condutas e manipulações esportivas possíveis, as quais podem afetar não só a integridade do esporte, mas também, a depender das proporções, a credibilidade de todo o sistema de apostas esportivas e do próprio sistema financeiro nacional.

O recado do STF é claro: o tipo penal existente não basta para prevenir manipulações esportivas isoladas. Cabe ao legislador avaliar se, do ponto de vista dogmático e político-criminal, faz sentido ampliar as hipóteses de incidência do direito penal, tendo em vista, de um lado, as possíveis consequências que a manipulação no esporte pode gerar e, de outro, o princípio da intervenção penal mínima, sem perder de vista, ainda, o bem jurídico cuja tutela efetivamente se almeja. 

Isto porque, o direito penal, além prevenir e sancionar condutas, também exerce o relevante papel de limitar a interferência estatal sobre as liberdades individuais, estando sua incidência atrelada à proteção dos interesses mais relevantes para a sociedade.

*Advogado, Mestre em Direito Penal, Especialista em Direito Penal Econômico, Pós-graduado em Compliance 

 

 

Veja também

Newsletter