Sáb, 06 de Dezembro

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OPINIÃO

A omissão que custa caro: municípios precisam decidir sobre cotas raciais em concursos públicos

O recente episódio que suspendeu o Concurso Público Unificado do Estado de Pernambuco reacendeu um debate que vinha sendo empurrado para os bastidores: a ausência de leis locais de cotas raciais e étnicas. O certame, que reunia milhares de vagas, foi paralisado após o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) questionar a falta de reserva de vagas para pessoas pretas, indígenas e quilombolas. A suspensão, confirmada por decisão judicial, mostrou que o silêncio institucional pode custar caro. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56% da população brasileira é composta por pessoas pretas e pardas, e cerca de 1 milhão de brasileiros se autodeclaram indígenas. 

Esses dados reforçam que a ausência de representatividade no serviço público não é apenas um problema social - é um desequilíbrio estrutural que os governos locais precisam enfrentar. Um debate que não pode mais ser adiado. O que ocorreu em Pernambuco não é um caso isolado. Em diferentes municípios do país, o Ministério Público tem solicitado a suspensão de concursos municipais pela falta de lei local que regulamente cotas raciais e étnicas. Sem uma norma aprovada pela Câmara de Vereadores, o edital se torna vulnerável - e a Justiça, ao ser provocada, tende a agir para garantir a igualdade de oportunidades. Segundo consultores do Instituto Igeduc, o problema não está em ser favorável ou contrário às cotas, mas em não decidir. É papel da Câmara Municipal, que representa diretamente a população local, debater, votar e se posicionar sobre o tema. A decisão pode ser pela adoção das cotas ou pela não adoção, mas o que não pode é o município permanecer em silêncio, sem lei, sem voto e sem clareza. Esse vácuo legislativo é o que vem gerando as maiores inseguranças jurídicas em concursos públicos. 

Entre o medo da polêmica e a necessidade de agir. Ainda há quem trate o tema das cotas como tabu político, evitando o debate para não se desgastar. Mas, na prática, a omissão tem se mostrado mais custosa que a polêmica. Concursos suspensos, cronogramas comprometidos e candidatos frustrados são consequências diretas de uma pauta deixada de lado. Além disso, há um aspecto ético e administrativo: legislar sobre cotas é uma medida de segurança institucional. Com uma lei aprovada, o município evita questionamentos, garante previsibilidade aos certames e demonstra compromisso com a inclusão e com a legalidade. Sem lei, o risco é de ver o processo paralisado a qualquer momento - como ocorreu com o Estado de Pernambuco. 

A lição pernambucana
No caso pernambucano, após a suspensão do concurso, a governadora encaminhou um projeto de lei à Assembleia Legislativa, mas o texto que acabou aprovado teve origem em uma proposta da deputada estadual Rosa Amorim (PT) - o Projeto de Lei nº 464/2023, segundo a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). A norma foi aprovada em regime de urgência e sancionada, tornando-se a Lei Estadual nº 18.318/2023, que reserva 30% das vagas em concursos públicos estaduais, sendo 25% para pessoas pretas e pardas, 3% para indígenas e 2% para quilombolas (fonte: CNN Brasil, Alepe). 

Com a nova lei em vigor, o concurso foi retomado. Mas o episódio deixou uma lição valiosa: quando o poder público posterga o debate, é a urgência que acaba governando. O Estado precisou correr para corrigir o que poderia ter sido resolvido com planejamento e diálogo. Mais que inclusão: uma decisão sobre o futuro. Para os municípios, o caminho é claro. Cabe à Câmara de Vereadores decidir, de forma pública e transparente, se o município terá ou não sua lei de cotas raciais e étnicas. Essa deliberação, qualquer que seja o resultado, traz segurança jurídica e política, porque demonstra que a administração local ouviu a população e assumiu uma posição. O Instituto Igeduc, que acompanha e orienta gestões públicas em políticas de diversidade e governança, destaca que a omissão é o pior dos caminhos. A dúvida gera insegurança, e a falta de posicionamento abre espaço para interferência judicial. Decidir - mesmo que de forma contrária - é um ato de transparência, democracia e responsabilidade administrativa. Conclusão: clareza e decisão fortalecem a gestão pública. A discussão sobre cotas raciais e étnicas em concursos públicos não é apenas sobre inclusão, mas sobre governança e segurança institucional. Cada município precisa olhar para sua realidade, ouvir sua população e permitir que os vereadores deliberem. O que a sociedade e os órgãos de controle esperam é clareza, decisão e responsabilidade pública. O episódio pernambucano deixou a mensagem: quando o diálogo é adiado, a urgência assume o controle. Por isso, o debate sobre cotas deve ser conduzido agora - com serenidade, transparência e respeito às diferenças.

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