Antônio Maria: a paixão que vem do mar (3)
desfavorecido das noites cariocas com quem topasse na rua. E a quem entregasse os últimos cobres no bolso. Até Danuza Leão. Que, mulher de Samuel Wainer, foi esquecida pelo trabalho diuturno. De um dono de jornal cuja maior ambição era continuar sendo dono de jornal. Era o êxtase de Wainer. E foi sua tragédia. Substituído, no coração de Danuza. Por Maria.
Em novembro de 1953, Maria trabalhava em casa. Produzindo seus textos, colunas, artigos. Ele escreveu: “O amor, nas crianças, é um estado de alma absorvente, pastoso e imenso que, embora não seja uma coisa muito definida, leva o menino apaixonado a uma série de sonhos, de medos, de renúncias, de tramas secretas, de ânsia heroica”.
Continua Maria: “Hoje, minha filha entrou na sala onde escrevo e veio andando de olhos baixos. Seu jeito era tão solene e, ao mesmo tempo, tão humilde, tão vitorioso e tão vencido, que senti solidariedade. Abracei-a antes que começasse a falar. E ela começou a dizer: - Meu pai, estou noiva. Olhei para sua carinha de oito anos, deu vontade de rir, mas seria estragar a festa, quebrar a alegria de um dia de noivado. E falei com o tom mais sério que pude: - Meus parabéns, minha filha, espero que vocês sejam muito felizes”.
Maria via o poeta Joaquim Cardozo passar diariamente por sua casa na rua da União, no Recife. No passo lento e longo, como descobriu João Cabral de Melo Neto. Sobre Cardozo, escreveu Maria: “Tua chuva inconstante e breve, poeta, tua chuva de caju, tua chuva que molhava o chão, vinha sítios aromáticos, cheirando cajus e mangabas. (...). As chuvas do Recife são, hoje, iguais às de São Paulo. Já não são mornas como as antigas. Já não arrancam do chão o cheiro de terra. (...). Às cinco da tarde, o poeta Cardozo apontava na esquina da rua da Aurora e lá se vinha lento e longo, deixando ver através das pernas o Capibaribe de João Cabral de Melo Neto, o rio que ‘em silêncio carrega a fecundidade pobre”.
As lembranças de Maria sobre José Lins do Rego são as mais ternas. Em 1957, Maria escreveu: “Zé do Rego, depois de escrever isto aqui vou cantar os frevos em sua homenagem. E vou rever, em seu rosto grande, sua boca sertaneja abrir-se num sorriso. Vou ouvir de novo que sou um danado e sentir a mesma alegria daquele momento em que fui elevado à categoria de danado. Somos uns danados, eu, João Condé, Odorico Tavares, Cícero Dias.”
Os telefonemas de Di Cavalcanti para Maria eram tão importantes quanto digitalina, segundo o pernambucano. Muitas vezes ao dia. Em vários estados de espírito. Versando sobre diversos temas. Como escreveu Maria em 12.02.1963:
“Às 10:10: A flor, a rosa, todo mundo diz que a rosa é bonita, bonita é ...
Às 11:40: Olha aqui, Marie Claude foi ao meu apartamento e disse que ia escrever um livro …
Era assim. E disto sabem mais cinco ou seis pessoas que recebem os telefonemas de Emiliano. Di e eu. Qualquer dia, com licença de Hemingway, autor de The Old Man and the Sea, escreverei um livro chamado Di e eu. Não comecei ainda porque há nove anos vimos discutindo, em trevas, qual dos dois é “the sea”.
