Sáb, 06 de Dezembro

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opinião

Antônio Maria: o afeto da noite (1)

“Mas, de madrugada (o céu fazia estrelas) a primeira viola tocando o levou de viagem. Muitas vezes voltou, para saciar-se e refazer-se de ternura”.
Antônio Maria, Vento vadio, pg. 473.
 


Vou dar a primeira olhada em Vento Vadio (Guilherme Tauil, Ed. Todavia, 2021). Antologia de crônicas de Antônio Maria. Pernambucaníssimo. Primo de Cícero Dias. Descendente dos donos da Usina Cachoeira Lisa, em Gameleira. Adotado pelo Rio de Janeiro. Cronista, compositor, notívago. E de intenso, desesperado gosto pela vida. Ele foi, de longe, o maior cronista da noite.

Meu Maria, como o chamava Vinicius de Moraes, dizia que todos os infortúnios se liquidavam nos balcões de bar. E todos os afetos alimentados no escuro de boate. Como o que ele nutria por Caymmi. Certa vez, em Salvador. Numa saudação ao patriarca baiano, disse: “Deixa que me orgulhe e me sinta mais gente pela ventura de contigo ter andado, de mãos dadas, por caminhos duros ou macios, em horas de riso ou tristeza”.  
   
Antônio Maria trabalhou na PRA-8 do Recife. Depois, migrou para Salvador, onde atuou na Rádio Sociedade da Bahia. Em seguida, foi para o Rio de Janeiro. Nesta etapa de sua vida profissional, sempre em veículos dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Na fase final de sua jornada, trabalhou no Última Hora, de Samuel Wainer.  

Maria levou uma vida atribulada. Mas também de beleza, de sentimento e de audácia. Viveu a vida que queria ter vivido. Preferência não se discute. Mas, no primeiro time de cronistas, como Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, o autor de Menino Grande tem lugar.  

Sua relação com Braga nunca foi pacífica. O capixaba, considerado Príncipe dos cronistas brasileiros, era ciumento. Nas letras. E nas companhias femininas. Especialmente quando se tratava de Tônia Carrero. Morador de Ipanema, na cumeeira de um edifício, tinha domínio de mares e ventos. Íntimo dos ventos, chamava-os pelos nomes, sudoeste, noroeste, terral.
Braga era devoto do verão. Entre novembro e abril, dedicava-se às graças do sol, das amigas e dos encontros. Quando lhe propunham um projeto naquele período, respondia:

- Vamos deixar pra maio.

Maria morou em vários endereços no Rio. Passou temporada na Urca. Nessa época, escreveu:

“Daqui, vejo os navios entrar e sair. Hoje, por exemplo, passaram um Ita, um Ara e um enorme. Os navios entram gravemente na Guanabara, sem olhar para trás. Dão a impressão que, atrás deles, vai uma orquestra de trombones e tubas, tocando uma marcha triunfal, quase fúnebre”. Depois, ele escreveu sobre a solidão do peignoir. Mas isso é outra história.  
 



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