Antônio Maria: o amigo Vinicius de Moraes (final)
“Pensávamos que as ruas do Recife noturno fossem nossas”.
Antônio Maria, Vento vadio, pg. 65.
Um, poeta e diplomata. O outro, cronista e compositor. Um, carioca amadurecido na arte da diplomacia em Los Angeles. O outro, pernambucano florescido nos mares que vão da Urca ao Leblon. Vinicius e Antônio. Moraes e Maria. Deveria existir alguma química, fosse das academias ou dos terreiros de orixás, para mantê-los conosco.
O poeta, alinhado ao bem da vida, aninhou-se na música. O cronista, andarilho nas escaramuças noturnas, inscreveu-se no silêncio prematuro dos inconformados. Assim foi. Assim é. Ambos lidos, ouvidos, admirados. Fieis ao uisquinho diário. Cada um no planeta em que reinaram com suas cortes trançadas no algodão dos afetos.
Mas, se cada um é personagem único, na afeição de todos, melhor é quando um fala pelo outro. Ou quando um diz sobre o outro. Com o substantivo insubstituível da amizade.
Como na crônica de 21.10.1953. Em que Maria abraça Vinicius com as letras de fraterna estima. Aí vão ecos do abraço:
“Dizem que sua presença descansa os outros. Lamenta não ter se formado em medicina. Sabe de todos os remédios para todas as doenças. Pode-se contar-lhe o fato mais escabroso e se lhe fazer a confissão do pior crime, dirá sempre que não tem a menor importância. Adora mulher. E, convivendo mais de meia hora com uma delas, nenhuma terá coragem de lhe dizer não se o poeta pedir alguma coisa.”
Mas, segundo Maria, o poeta e diplomata, Vinicius de Moraes, não gostava apenas de mulher. Ele era universal na estima que dedicava a todo ser humano. Sem distinção de gênero. Como escreveu, Maria:
“A pessoa-homem de quem ele mais gosta e a quem mais admira é Jayme Ovalle. Tratando-se de uma organização intensamente humana, é capaz de todas as fraquezas, de todos os erros, desde que seja mantida, em forma de lealdade, a grande e íntima solidariedade que dedica ao próximo. Quando está sério e assobiando (garante o Braga) alguma coisa deverá acontecer daí a pouco em relação ao estado civil, seu e dos outros.”
E Maria prossegue:
“É levemente gago, gaguejando com certo encanto nas três línguas que fala corretamente. Não usa relógio e, mesmo assim, haja o que houver, é incapaz de perguntar que horas são. Tomado de amor, é capaz de fazer confissões poderosas como esta: ‘Amo-te, enfim, com grande liberdade, dentro da eternidade e a cada instante. (...).
Hoje, 21 de outubro de 1953, depois de pagar todas as dívidas, seguirá de Augustus para Paris, deixando 32 saudades e 32 pares de lágrimas no cais do Rio de Janeiro”.
