Sex, 05 de Dezembro

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opinião

Apesar das novas tecnologias, o professor é imprescindível em sala de aula 

Li recentemente uma frase que me fez refletir sobre o atual momento da inteligência artificial na educação. Embora o livro Alone Together tenha sido publicado em 2011, antes da ascensão do Chat GPT e de outros modelos de IA, sua crítica à narrativa triunfalista da tecnologia, que enxerga apenas oportunidades e nunca vulnerabilidades, permanece extremamente relevante. 

Na educação básica, especialmente durante a pandemia, ficou claro o quanto os educadores estavam despreparados para usar a tecnologia como ferramenta de ensino. As escolas demoraram a se adaptar ao ensino remoto, o que revelou lacunas técnicas quanto ao ofício do ensino escolar, mas também uma dependência de ferramentas criadas por empresas de tecnologia sem participação ativa dos professores em seu desenvolvimento.
 
Historicamente, toda nova tecnologia foi vista como uma possível revolução educacional, enquanto estávamos diante de uma mera atualização que nos modernizava tecnologicamente, mas também absorvia as nossas funções e o nosso conhecimento. 

Isso ocorreu com os computadores pessoais, a internet, o YouTube e com muitos outros. Entretanto, todas elas falharam retumbantemente, resultando em práticas isoladas e dependentes de educadores pioneiros. Sustentaram-se anedotas em vez de evidências sólidas sobre a efetividade dessas aplicabilidades. E isso pode estar ocorrendo agora com a IA. 

A inteligência artificial é promissora, mas deve ser encarada com cautela, especialmente na educação de crianças e adolescentes. A ideia dominante circunda o fato de que parte dessas empresas promove soluções baseadas em princípios de marketing e vendas, conforme a necessidade de vídeos curtos e textos simplificados para captar a atenção. Isto pode empobrecer o processo de aprendizagem, justamente porque se exigem, para isso, esforço, tempo e dedicação. 

Um vídeo de 30 segundos certamente entretém, mas não necessariamente promove aprendizado profundo e duradouro. 

Diversos sistemas que adotaram ferramentas digitais estão revendo as suas decisões, após perceberem que os impactos do aprendizado foram menores do que a expectativa quanto ao tema. Isso mostra o perigo de realizar experimentos sociais com gerações inteiras de estudantes sem a devida base científica. 

Não se pode querer com isso transferir, sem critério, descobertas feitas com adultos para o contexto da educação infantil. Deve-se questionar se é razoável esperar que professores sejam especialistas em conteúdo, pedagogia, tecnologia e, agora, também, em inteligência artificial. O uso efetivo da IA na sala de aula carece de diretrizes claras; é necessário que haja uma formação docente adequada e análise das barreiras sistêmicas que impedem sua implementação equânime. 

Discutir o uso da tecnologia no ensino é revisitar o propósito da própria educação. A repetida crítica de que o currículo não prepara os alunos para o “mundo real” esbarra na importância do conhecimento fundamental: antes de desenvolver pensamento crítico e criatividade, é preciso saber ler, escrever e calcular. O aprendizado é cumulativo. Portanto, o conhecimento prévio é essencial. 

Para que haja proficiência no aprendizado, considera-se a formação do caráter, a socialização, o enfrentamento do fracasso e a perseverança. Afinal, os robôs devem substituir os professores? Caso isso ocorresse, qual impacto isso teria em crianças cujo convívio com as máquinas fosse simulado (ou seja, máquinas que aparentam sentir, contudo, não o fazem genuinamente)? 

Tal embate se conecta com o impacto que as redes sociais tiveram sobre os adolescentes. Inicialmente, são vistos com otimismo, mas, hoje, seus efeitos nocivos são facilmente reconhecidos. Estamos repetindo o mesmo erro com o uso da IA? Se na próxima década percebermos que erramos, qual será o custo a ser pago? Mais uma geração prejudicada?

Ainda não está claro como lidaremos com as interações humanas a partir da tecnologia como um intermediador dessas relações. Nossas habilidades sociais e emocionais, bem como o empobrecimento da experiência educacional, estão em xeque. Portanto, pergunta-se: queremos realmente uma educação acelerada, multitarefada, na qual tudo seja conduzido por parâmetros imediatistas?

O professor deve ser ainda o principal elemento no processo educativo; tal presença é imprescindível em sala de aula, de maneira que o indivíduo não deve ser substituído pela IA. Faz-se necessário refletir sobre que tipo de ensino queremos, sobre quais valores devemos promover e sobre qual é o verdadeiro problema que queremos resolver. Como disse Alexander Pope: “um pouco de conhecimento é uma coisa perigosa”. Resta saber se o nosso conhecimento tem sido substancialmente suficiente ou cada vez mais rarefeito.


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