Qui, 18 de Dezembro

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opinião

Às portas do Judiciário: desafios do direito do consumidor no mundo moderno

Em nosso espaço semanal, onde ora somos mais juízes, ora meros cronistas do cotidiano jurídico, buscamos sempre enfocar questões que são objeto de conflito de interesses — sejam eles já vestindo as roupagens da lide judicial ou ainda ensaiando seu bailado nas negociações extrajudiciais. 

Um tema, porém, não raro, insiste em voltar à baila, como aquele velho conhecido que não perde a visita: o “direito do consumidor”. 

Pois bem, para facilitar a continuidade e a compreensão dessa nossa conversa, reuni aqui alguns pontos que, creio, poderão ser do interesse do leitor atento.

Enquanto muitos permanecem absortos nos encantos da inteligência artificial — essa espécie de oráculo moderno que promete facilitar nosso dia a dia jurídico — campeiam, em contrapartida, com furiosa rapidez, os infames “golpes” perpetrados pelos canais virtuais. Até ontem, o cenário era outro. Não havia tanta facilidade para os assaltos digitais, e muito menos o aparato tecnológico dispunha da complexidade que hoje temos.

Ora, o que vemos? As linhas de telefonia e internet, maravilhas da era moderna, tornaram-se verdadeiros picadeiros para malandros de toda sorte. Falsários que usam o ludíbrio, a ilusão, ora criando perfis falsos no “whatsapp”, ora apelando para artifícios que põem gente boa diante do espelho do engano.

E aqui vem o paradoxo: quanto mais avança a tecnologia, mais distante fica a segurança que dela se espera. Não seria engraçado, se não fosse trágico? Enquanto inventamos a inteligência artificial, perdemos o controle da segurança humana.

Quando essas questões chegam às portas do Judiciário — esse velho casarão de pedra —, conseguimos, em alguns casos, reaver parte do prejuízo, mas não sem antes passar por longas veredas. O Judiciário, por vezes, recusa-se a amparar a vítima, alegando que ela própria não cuidou da própria casa, deixando a porta aberta para o bandido. Exemplo clássico: a transferência via PIX feita às pressas, sem se conferir destinatário ou valor.

Aqui, a controvérsia se acende: os bancos, que deveriam ser guardiões da segurança do consumidor, muitas vezes são eximidos de responsabilidade, como se fosse natural que o cidadão navegue em mar revolto, sozinho e sem bússola. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) deveria ser o farol nessa tempestade, mas nem sempre o é.

Importante lembrar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se pronunciou, defendendo a remoção dos dados pessoais de vítimas, mesmo antes de entrar na seara das relações de consumo, sinalizando um caminho de proteção que nem sempre é trilhado com a devida firmeza.

Mas, se a inteligência artificial fascina, não devemos esquecer a indispensável presença do olhar humano, atento e crítico, que não se deixa seduzir por promessas sem fundamento.

Passando para outra esfera, as indenizações por danos morais parecem hoje em dia mais uma batalha campal do que uma simples reparação.

Se antes da pandemia, por ironia do destino, já enfrentávamos um Judiciário congestionado, hoje o volume de demandas sobe a um patamar quase surreal. A reparação pecuniária por danos que atinjam a dignidade do cidadão virou moeda corrente nas disputas judiciais.

Porém, muitas dessas ações esbarram na falta de provas — e nisso, não há mágica: é preciso demonstrar o abalo, salvo exceções como a inscrição indevida no SPC/Serasa, onde o dano é presumido.

Curiosamente, o que antes se presumiria evidente — o prejuízo moral — passou a exigir comprovação minuciosa. Voei ao sabor de decisões que negam o direito por considerarem os fatos meros “aborrecimentos” ou rotina do cotidiano, o que talvez seja o maior aborrecimento de todos, pois frustra quem busca justiça.

Já nos contratos bancários, em particular os empréstimos consignados, a coisa ganha contornos ainda mais complexos. O STJ, em recente decisão que gerou murmúrios, negou indenização em caso de fraude comprovada por perícia grafotécnica, qualificando o episódio como “mero aborrecimento”.

Ora, que ironia amarga! Provas robustas de falsidade da assinatura e, ainda assim, a vítima fica a ver navios, sem qualquer compensação por danos morais.

Enquanto isso, o Executivo, numa espécie de contramarcha, edita medidas provisórias que facilitam a contratação digital desses empréstimos — “facilitar” é palavra doce para expor o consumidor a riscos ainda maiores, cuja consequência natural é a lotação das portas do Judiciário.

Cabe a nós, pois, como operadores do Direito e membros do Estado, manter a vigilância firme para que esses direitos não sejam apenas “letra morta”, pois o que temos visto, ironicamente, é uma judicialização cada vez mais complexa, recheada de decisões questionáveis.

Assim, na era das maravilhas tecnológicas, que não nos falte o olhar humano e o compromisso com a justiça, para que o Direito do Consumidor continue a proteger a dignidade daquele que, muitas vezes, caminha desarmado diante das artimanhas do mundo moderno.


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