Sex, 05 de Dezembro

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Às portas do Judiciário: o silêncio do balcão

Há espaços em que o tempo parece ser uma eternidade, arrastando-se de forma lenta e indefinidamente, causando uma indesejável angústia, que se chega a questionar o porquê da escolha por aquele caminho, como solução. 

Em tema de processo judicial, não é raro se deparar com esses espaços. Junto ao que antes era um cenário característico dos processos físicos, encontram-se juntos, presentemente, outros desafios, adornados com senhas impressas e olhares aflitos, construindo uma espécie de liturgia do silêncio.

De um lado, o jurisdicionado, que aguarda uma resposta como quem espera a água brotar no sertão. Do outro, o servidor ou a tela fria do computador, que tanto pode abrir caminhos, como erguer muralhas. O diálogo, muitas vezes, reduz-se a gestos (des)humanamente frios: um “aguarde”; um “volte amanhã”; um “foi encaminhado”, ou desesperanças do gênero. Expressões que desalentam, pois carregam o peso de meses de espera, de noites insones, de vidas suspensas.

Esse silêncio não é neutro. Ele molda destinos, prolonga dores, adia reparações. É o silêncio da fila que não anda, da promessa que não chega, da sentença que adormece em alguma gaveta invisível. Não há gritos, não há espetáculo - há apenas a resignação de quem aprende a conviver com a falta de solução, como quem convive com uma doença crônica.

Paradoxalmente, é também nesse balcão que lampejos de humanidade resistem. O servidor que se compadece e tenta apressar o que pode. O defensor que insiste, repete, argumenta até que a voz quase falhe. A mãe que, mesmo cansada, sorri para o filho para que ele não perceba o peso da espera. São pequenos gestos que iluminam uma estrutura pesada, lembrando que a Justiça é feita, antes de tudo, de pessoas.

As portas do Judiciário são, assim, fronteiras entre a burocracia e a esperança. De um lado, a Decisão, o protocolo, o sistema eletrônico que insiste em dar erro. Do outro, a vida que não pode esperar: a cirurgia negada, o medicamento em falta, o dano indevidamente causado e não reparado. Entre ambos, um silêncio que às vezes salva, mas que só pela demora em si, sufoca impiedosamente.


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Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail [email protected] e passam por uma curadoria antes da aprovação para publicação.
 

O processo judicial, tornou-se eletrônico, mas a espera continua sendo “de carne e osso”. A tecnologia mudou os meios, mas não alterou a essência da espera, sentida na angústia que se acumula enquanto o tempo escorre, prolongadamente. O balcão físico foi substituído pelo “balcão” digital - mas o silêncio permanece, agora em forma de telas que não respondem, sistemas que travam e ausência de movimentação, por semanas, meses ou, até mesmo, anos a fio.

O âmbito judicial, que é a buscado, sofregamente, para se pôr termo aos conflitos, pois é legítimo guardião dos direitos, onde argumentos e provas se enfrentam até que uma decisão surja, encontra-se, hodiernamente, empanturrado de ações, que muito contribuem para o prolongamento dos conflitos a eles submetidos, o que reclama uma urgente revisão na processualística civil, a fim de se contemporizar com a realidade destes novos tempos.

Quem conhece suas portas sabe que, antes do discurso, existe o silêncio. E é nele que os cidadãos comuns vivem a experiência mais concreta da Justiça: esperar sem saber até quando.

Talvez o grande desafio esteja em se romper esse silêncio. Não apenas com mais decisões, mas com mais efetividade e eficácia quando das suas confecções. Não apenas com mais tecnologia, mas com a adoção de uma trilha menos íngreme de percurso no ritual a ser adotado no processo. 
O balcão, quer seja de mármore, quer seja digital, precisa deixar de ser fronteira ou muro berlinense, para se  tornar passagem. Precisa ser ponte entre o direito de que se necessita e a justiça que se entrega.

Ao final da via-crúcis de um processo judicial, nenhuma sentença será suficiente se, no caminho até ela, o que mais se ofereceu foi silêncio.


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