Constituição de 1988, 37 anos de indiferença
A Constituição Federal merece morrer? A triste missão desse questionamento me abala profundamente, mas não vejo outro jeito de tentar entender como a nação brasileira pouco se importa com o livro que liberta, ainda que aos trancos e barrancos, da mais sombria ganância dos postulantes à presidência da República: permanecer no poder sem legitimidade.
O voto secreto e direto — alicerce de nossa democracia — é apenas uma das muitas garantias que estão no livro fundamental do Brasil. O documento também instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), reduziu a jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais, tornou o crime de racismo inafiançável, pensou numa educação inclusiva para indígenas e pessoas com deficiência, e exige que sejamos um país mais justo, onde cada um de nós, brasileiro, possa viver com dignidade.
O fervor por um país livre foi fruto de 21 anos de ditadura militar. Diferente dos dias de hoje, o Congresso Nacional foi tomado pela força popular. Várias Comissões Temáticas e subcomissões lotaram as galerias das casas legislativas para construir, junto aos políticos, uma nova ordem constitucional que pensasse na melhor forma de organizar o Estado e na pluralidade que compõe o Brasil — da criança ao idoso; da reforma agrária aos banqueiros.
Se na Assembleia Constituinte o que prevaleceu foi o interesse público, nos dias de hoje o que domina é o distanciamento da população com o texto que ressignificou a história brasileira; não somente o distanciamento, como o apoio de parte da sociedade a quem quer o desmonte da ordem. Foi assim que o brasileiro assistiu com inação a ataques à Constituição, aos poderes, e deu espaço para que representantes políticos discutissem possível anistia para sujeitos autocratas que planejavam dar um golpe em um país já marcado por dois longos períodos de recessão.
O escritor Lima Barreto, no começo do século XX, ironizou o povo brasileiro ao escrever que "o Brasil não tem povo, tem público". Triste constatar que — passado um século — o brasileiro continua paralisado quando os assuntos são direitos e garantias sociais. Mas impressiona o entusiasmo e devoção que nos alcança quando demagogos, com discursos arraigados no retrocesso, sobem nos palanques eleitorais.
É incontestável que a Constituição não é perfeita. Também está longe de ser real — como explicou Ferdinand Lassalle, precursor da filosofia jurídica, ao diferenciar uma Lei Maior 'escrita' de uma 'real'. Mas, sem dúvida, só depende de nós para que um dos textos mais progressistas do mundo seja efetivado em seus princípios e normas.
Neste 05 de outubro de 2025, a Constituição Federal de 1988 chega ao seu 37º aniversário e eu retomo a pergunta inicial: a Constituição Federal merece morrer? Não responda sem antes lembrar aquela memorável cena em que o deputado Ulysses Guimarães ergue o maior símbolo da redemocratização e profere sabiamente que “está aqui o documento da liberdade, fraternidade, democracia e justiça social do BRASIL".
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