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Declaro-me negro

Quarta-feira, 4 de setembro de 2025. Reúne-se o Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco. Na secular casa de Oliveira Lima. O velho casarão sustenta antigas novas ideias. Alicerçadas em raízes da tri-raça brasileira.

A reunião conta com quórum de presença de conselheiros, de procurador do estado, de um desembargador e de uma juíza. Estes dois últimos presentes, convidados para ouvir os relatos de representantes da religião afrobrasileira. Mãe Beth, patrimônio vivo de Pernambuco, é uma das que relatou episódios de violência contra terreiros e fiéis, orixás e umbandistas. Principalmente na Região Metropolitana do Recife.   

O convite para os representantes do Judiciário se deu porque os atos de violência se repetem. Sem confrontação. Nem equacionamento. E as autoridades policiais não são sensíveis aos ataques contra a religião afrobrasileira. Daí a estratégia do Conselho de articular uma frente institucional abrangendo Executivo, Legislativo e Judiciário. No sentido de enfrentar cabalmente o problema. Começando pela criação de Delegacia especializada. Para debelar o vandalismo contra religiões.

O brasileiro é tri-racial. A cultura nacional, ancorada especialmente nos estudos de Gilberto Freyre e de Darcy Ribeiro, é certidão sociológica. Emitida no cartório da ciência tropical. Estão lá, consignados como troncos da árvore étnica, três braços: o indígena, filho da floresta; o véu de melancolia que veste o fado português; e a alegria rítmica e mágica do negro africano.

É uma mescla, harmoniosa e vital, que pintou o Abaporu, de Tarsila Amaral. Que compôs e cantou as bachianas de Villa Lobos. Que escreveu a novela armorial, Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Que inventou a arquitetura plástica e redonda de Oscar Niemeyer. E que ofertou o poema, feito de ferro e pedras, de João Cabral de Melo Neto.

Declaro-me negro, eu disse na minha fala ao Conselho. Como gesto de lealdade étnica às origens do povo brasileiro. E também como ato de resistência pacífica contra a violência. Acentuei que o brasileiro sabe lutar. Que a integridade territorial do país é fruto da costura política de José Bonifácio. E da espada de Caxias. Que o Brasil imperial teve o espírito revolucionário de frei Caneca. E o talento mediador do Marquês de Olinda. Que a República teve o ânimo revolucionário dos tenentes de 30. E a invenção política de Tancredo Neves.
É inspiração tropical, ao mesmo tempo, doce e forte. Com ela defenderemos os valores da diversidade cultural. E da liberdade religiosa.


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