Feminicídio: Quando a justiça não consegue enterrar a dor
Há crimes que não terminam no instante da morte.
Eles continuam vivos na mesa vazia do jantar, no quarto que ninguém mais entra, no cheiro da roupa guardada, no silêncio das mães, dos filhos e dos pais que nunca mais dormem em paz.
O feminicídio é um desses crimes.
Não é apenas um homicídio.
Não é apenas um número nas estatísticas frias da violência brasileira.
É o assassinato da vida, da dignidade, da história e do futuro de uma mulher — muitas vezes dentro da própria casa, pelas mãos de quem jurou protegê-la.
O Brasil chora mulheres todos os dias.
Chora filhas, mães, esposas, companheiras, avós.
Chora histórias interrompidas por ciúme doentio, machismo estrutural, posse, covardia e impunidade.
E aqui está o ponto que precisa ser dito com coragem: o Estado brasileiro falha quando não pune com o peso real da barbárie que é o feminicídio.
Hoje, classificamos o feminicídio como crime hediondo.
Mas, na prática, o que isso significa para quem perdeu alguém?
Significa assistir, anos depois, ao assassino pedir progressão de regime.
Significa vê-lo cumprir parte da pena e retornar à sociedade.
Significa saber que, enquanto a vítima está enterrada para sempre, o agressor respira o mesmo ar, anda pelas mesmas ruas e, muitas vezes, volta a conviver no mesmo território da dor.
Isso não é justiça.
Isso é uma segunda morte para a família.
Um crime que destrói uma vida de forma brutal, planejada ou impulsiva, motivada por ódio, controle ou vingança, não pode ser tratado como um crime que “prescreve” emocionalmente com o tempo.
A morte é perpétua.
A dor é perpétua.
A ausência é perpétua.
Por que, então, a pena não é?
É hora de o Congresso Nacional e o Governo Federal enfrentarem esse debate sem hipocrisia e sem medo.
É hora de discutir, com seriedade e coragem, uma mudança profunda no Código Penal Brasileiro para que o feminicídio seja tratado como aquilo que ele é: um crime absolutamente extremo, irreversível, que merece punição proporcional à sua crueldade.
Se há crimes que clamam por uma revisão constitucional, o feminicídio é um deles.
Não se trata de vingança.
Trata-se de proteção social, respeito às vítimas e um recado claro à sociedade: quem mata uma mulher por ódio, posse ou desprezo à vida não pode simplesmente “pagar parte da conta” e voltar para casa.
Enquanto o assassino pode sair da prisão,
a mulher não volta.
O filho não abraça mais a mãe.
A mãe não escuta mais a voz da filha.
O pai não protege mais.
Quantas famílias ainda precisarão enterrar suas mulheres para que entendamos que a punição atual não intimida, não educa e não previne?
O feminicídio não nasce do nada.
Ele cresce em um ambiente de tolerância, silêncio e certeza da impunidade.
Uma pena dura, clara e definitiva não ressuscita ninguém — mas salva vidas futuras.
Ela impõe medo ao agressor, estabelece limites e afirma, sem ambiguidades, que a vida da mulher é inviolável.
Este texto é um grito.
Um grito por aquelas que não podem mais falar.
Um grito por quem vive todos os dias com um luto que não cicatriza.
Que o Estado pare de ser complacente.
Que o Congresso tenha coragem.
Que a Justiça seja proporcional à dor que ela tenta reparar.
Porque nenhuma sociedade é justa quando enterra mulheres e solta seus assassinos.
