Sáb, 06 de Dezembro

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OPINIÃO

Futebol: a instabilidade emocional, a fragilidade institucional e a violência de plantão

Há duas semanas que trato, de um modo crítico, a omissão e tolerância que parte da sociedade tem expressado quando o assunto é violência. Por isso, comungo aqui com o pensamento de Sartre, no qual expunha, precisamente, "que não importava o grau de profundidade e a maneira com a qual se manifestava, porque a recorrência à violência representa o caminho mais certo para a derrota". Assim, pelo olhar conflituoso entre o exercício racional e a amplitude da violência, todo esforço e toda energia que se depreende do ser humano, precisará ser bem mais direcionado para outra força e modo de poder: a prevalência das ideias. 

Mas, será que esse padrão desejado se afina com o peso emocional de quem lida, direta ou indiretamente, com o futebol? Pelo contrário, pois a instabilidade emocional do mundo moderno e a fragilidade institucional de clubes e federações só atiçam doses distintas de uma violência de plantão.  No Brasil, sobretudo, fazer gestão no futebol parece algo como lidar com material radioativo, feito por pessoal que, como quem constrói bombas nucleares, não pode ser capaz de resistir, sequer, às falhas humanas. Afinal, do outro lado, está uma parcela  de emocionados torcedores que, enquanto exerce seu poder legítimo de cobrança diante do insucesso do seu clube, já demonstra o princípio do estado de tensão que é operar com futebol. Só que essa situação, infelizmente, tem sido levada ao extremo, numa escala de violências que começa com agressões verbais, passa pelas ameaças físicas em invasões aos ambientes de trabalho e culmina com juras de morte alopradas. 

Ou seja, o nível de instabilidade emocional é a variável determinante do padrão de violência a ser adotado. O plantão para exercê-lo nem é também capaz de fazer seguir as regras institucionais civilizadas. A vida não nos acompanha com manuais de instrução pragmáticos, que nos façam filhos do paraíso. Mas, para ser bem vivida, nos ambientes de coletividade, carece de muito equilíbrio e inteligência emocional.

Neste último aspecto, refiro-me às circunstâncias que ameaçam o exercício democrático, que dentro de um clube costuma ser dado por estatutos submetidos a araques, mas que foram, paradoxalmente, discutidos e aprovados por associados. No geral, as regras apontam para a opção por regimes presidencialistas e que o escolhido deverá cumprir a garantia estabelecida na forma de mandato. No entanto, tal e qual a política convencional, que está pautada por um maniqueísmo extremo, o fato recorrente é que a banalização do impedimento de gestão ou a ameaça que decorre de pressões por renúncia, só serve para dar sentido a uma fragilidade institucional impertinente e imprevisível. 

Do jeito que vai, melhor seria estabelecer um limite de derrotas e deixar de lado os mandatos. Algo tão simples de propor, embora seja de uma estupidez desmesurada. Ter-se-ia aí um sistema nada civilizatório, que não favorece à constituição de instituições fortes. O pior que resulta desse processo é, justamente, a retroalimentação das escalas de violência. 

O caso que está em evidência, no ambiente do Sport Club do Recife, parece-me um exemplo que me preocupa, independente do amor incondicional que tenho pela entidade. Aliás, o modo de amar aqui precisa ser autêntico e completo, no sentido de que seu exercício incondicional seja tanto para a alegria, quanto para a tristeza. Que caiba na vitória e na derrota. Contudo, sempre com o entendimento de que o padrão de civilidade e de respeito às pessoas e normas vigentes, precisa ser praticado e com a devida altivez. 

Não tenho qualquer dúvida de que o ano de 2025 se encerra agora, enodoado como o pior momento dos 120 anos de história do clube, no âmbito do futebol. O hoje torcedor descrente e crítico, com raríssimas exceções, validou a escolha de jogadores com alta performance noutras equipes. Houve quem afirmasse que o elenco montado era o segundo melhor do Nordeste e que estava bem acima ao do Ceará e daquele que se manteve no Mirassol. Resultado: enquanto tivemos um desempenho pífio, estão aí o Ceará e o Minassol, contrariando todos os profetas de início de temporada.

O fato do Sport não ter alcançado o êxito esperado, é claro que se trata de algo que resultou em erros de processo, na gestão de futebol. Essa sequência e o ápice do desmantelo causado é claro que não compete, estatutariamente, ao papel do Conselho Deliberativo. A missão institucional deste colegiado é acompanhar, cobrar e "aconselhar". Tudo dentro de uma sintonia que não carece ter uma postura de adversário político. Toda vez que algo do contrário acontecer, naquilo que prevê o próprio estatuto, a rotina ordeira e de civilidade fica à deriva. 

A não ser que se tenha outra ordenação jurídica que promova a abolição do mandato de 2 anos, por um limite estapafúrdio de 10 derrotas. Este exemplo surreal mais parece o sentimento impregnado no emocionalismo das proposições, quando em clima de derrotas repetidas. Ou seja, ao se banalizar as ideias de impedimento de gestão, seja pelo insucesso ou por denúncias não comprovadas, a crise só serve para agravar o estado das coisas. Justo quando agir com civilidade nessas horas é saber ser humilde para reconhecer os erros, colher o essencial das boas discussões e recuperar o caminho das conquistas, com as mudanças necessárias. 

Parto sempre de um princípio basilar de que palanque só faz sentido nos embates eleitorais. Fora deles, com o respeito e amor mútuos que, na essência, cada torcedor carrega ao seu modo, o que se colhe de uma crise não pode ser qualquer instrumento capaz de ser traduzido em violência. Essa é a hora de pôr a emoção de lado e transformar o momento adverso em outra situação, na qual a experiência e a sabedoria possam construí-la de uma forma diferente e favorável. Afinal, 2026 está ali à frente e precisa ser logo encarado como um ano glorioso. A altura da real tradição do Sport.

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