Lição do STF na ADI 6331 e o fortalecimento da advocacia municipalista
Em 2019, após uma série de debates internos com a Comissão de Direito Municipal da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Pernambuco, à época liderada pelo advogado Leonardo Oliveira, a Associação da Advocacia Municipalista de Pernambuco - AMPE, à época presidida pelo advogado Luís Alberto Gallindo Martins, foi entabulada uma força-tarefa em defesa da autonomia dos municípios, como princípio fundamental constitucional da valorização da advocacia municipalista.
As medidas adotadas levam em conta uma convivência harmônica com a Associação Nacional dos Procuradores Municipais, pois apesar de algumas divergências, as ações de ambas as entidades em geral convergem e se somam, sem ser necessário qualquer olhar de concorrência ou ímpeto de rivalização.
Dentre os esforços da AMPE ouso destacar a intensa interlocução na Assembleia Legislativa de Pernambuco, culminando com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2019, que acrescentou o art. 81-A da Constituição do Estado:
Acontece que a Procuradoria-Geral da República apresentou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6331, que teve intervenção da ANPM, na condição de amicus curiae. Em sequência, o Supremo Tribunal Federal, à unanimidade de votos, conheceu do pedido e julgou parcialmente procedente, nos seguintes termos:
(i) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 81-A, caput, da Constituição do Estado de Pernambuco, no sentido de que a instituição de Procuradorias municipais depende de escolha política autônoma de cada município, no exercício da prerrogativa de sua auto-organização, sem que essa obrigatoriedade derive automaticamente da previsão de normas estaduais;
(ii) declarar a inconstitucionalidade do §1º e do §3º art. 81-A da Constituição do Estado de Pernambuco, tendo em vista que, feita a opção municipal pela criação de um corpo próprio de procuradores, a realização de concurso público é a única forma constitucionalmente possível de provimento desses cargos (art. 37, II, da CRFB/88), ressalvadas as situações excepcionais situações em que também à União, aos Estados e ao Distrito Federal pode ser possível a contratação de advogados externos, conforme os parâmetros reconhecidos pela jurisprudência desta Corte.
Melhor sorte não poderia ter a ANPM, a novata Associação Brasileira da Advocacia Municipal - ABAM e em especial a AMPE, afinal, repita-se, o resultado dessa decisão do STF decorre dos enfrentamentos inaugurados em Pernambuco no âmbito do legislativo estadual, culminando na ratificação da autonomia municipal quanto na criação de procuradorias, e via de consequência, da conveniência da contratação de escritórios de advocacia.
O STF “vociferou” inexistir obrigação constitucional da instituição de corpos próprios de procuradorias municipais, remanescendo a liberdade dos municípios organizarem seus próprios serviços jurídicos, de acordo com suas necessidades e recursos.
Destaca-se do voto do Ministro Relator, Luiz Fux: “... que seu objeto não se confunde com o da ADC 45, tampouco com o do RE 656.558 (Tema 309 da sistemática da repercussão geral), ainda pendentes de deliberação por parte deste Tribunal, já que não visa analisar se válidos os critérios de natureza singular do serviço e notória especialização para advogados.”
Nesse diapasão, na medida que o STF, à unanimidade, consigna ser possível, ainda que em situações excepcionais, aos municípios, à União, aos Estados e ao Distrito Federal a contratação de advogados externos, inaugura um novo tempo, ante a pacificação de diversas discussões a respeito do tema.
Inclusive, em recente julgamento no Superior Tribunal de Justiça, proferido no AgRg no HC 669.347/SP (relator ministro Jesuíno Rissato - desembargador convocado do TJ-DFT -, relator p/acórdão ministro João Otávio de Noronha, 5ª Turma, julgado em 13/12/2021, DJe 14/0/2022), concluiu que "conforme disposto no artigo 74, III, da Lei nº 14.133/2021 e no artigo 3º-A do Estatuto da Advocacia, o requisito da singularidade do serviço advocatício foi suprimido pelo legislador, devendo ser demonstrada a notória especialização do agente contratado e a natureza intelectual do trabalho a ser prestado" .
Acresce-se ainda, seja exigindo a singularidade (STF) ou sem ela (STJ), após a entrada em vigor da nova Lei de Licitações - Lei n. 14.133/2021, o julgamento da ADI 6331 foi a “pá de cal” em torno da nefasta criminalização das contratações dos escritórios de advocacia pelos municípios.
Outrossim, relevante papel teve o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, quando “pavimentou” junto ao Congresso Nacional a modernização do Estatuto da Advocacia, com a edição da Lei n. 14.039/2020, explicitando em seu art. 3º-A, l, que “os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei”, registre-se, em total consonância com a decisão do STJ.
A autonomia municipal, a criação e estruturação de procuradorias e a contratação de escritórios de advocacia são temas de grande relevância no direito administrativo brasileiro, que merecem “olhares” convergentes e sensíveis, assim como fez a Assembleia Legislativa de Pernambuco, por meio da EC n. 45, e fez o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 6331. Esses “olhares” contribuem para a segurança jurídica e a efetividade da administração pública.
*Advogado e vice-presidente da Associação da Advocacia Municipalista de Pernambuco - AMPE
