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O desafio do rejuvenescimento do câncer de mama

Nos últimos anos, o câncer de mama tem se tornado uma preocupação crescente entre mulheres jovens, desafiando a percepção de que a doença afeta predominantemente faixas etárias mais avançadas. A prevalência do câncer de mama abaixo de 40 anos no Brasil é mais que o dobro do que é descrito em outros lugares do mundo. Aqui, a idade média de diagnóstico é cinco a dez menor que a de países desenvolvidos. Para o período de 2023 a 2025, estima-se que mais de 73 mil novos casos serão identificados, dentre os quais se destaca maior prevalência de tumores em mulheres com menos de 50 anos em comparação com outras populações.

O estudo multicêntrico Amazona III, publicado em 2019, com ampla representatividade das regiões brasileiras, revela dados preocupantes ao demonstrar que pelo menos 17% dos tumores ocorreram antes dos 40 anos, sendo essas pacientes diagnosticadas invariavelmente em estágios mais avançados da doença e com subtipos tumorais mais agressivos. 

Uma análise epidemiológica, incluindo renomadas instituições como INCA (Instituto Nacional de Câncer), FOSP (Fundação Oncocentro de São Paulo) e HC USP (Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo), publicada em 2021, comparou dados desses serviços com o SEER (sistema de dados dos Estados Unidos) e trouxe estatísticas igualmente alarmantes, revelando que o câncer de mama em mulheres com menos de 40 anos representa 10,5% no Brasil contra 5,6% nos EUA. A idade média de diagnóstico no Brasil é de cerca de 56,7 anos, ao passo que nos EUA é de 61,7 anos. A porcentagem de doenças regionais e metastáticas também foi maior, sendo ainda mais significativa em pacientes jovens, que apresentaram doença mais avançada, maior tamanho médio do tumor no diagnóstico e maior risco de serem diagnosticadas com linfonodos positivos.

O ICESP (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), em estudo de 2022, comparou períodos que englobam de 2009 a 2014 e de 2015 a 2022, e o estudo também demonstra um aumento de pelo menos 30% na proporção de casos em mulheres abaixo de 40 anos, além de um incremento de 29% ou mais na proporção de óbitos nesse grupo etário.

Segundo pesquisadores, a mudança no perfil epidemiológico do câncer de mama pode ser atribuída a diversos agentes, desde fatores relacionados a mutações genéticas e história familiar, exposição a determinados poluentes e produtos químicos e fatores relacionados ao padrão mamário até a questões hormonais e reprodutivas, ligadas à exposição prolongada ao estrógeno, como menarca precoce, nuliparidade e uso de contraceptivos. É importante destacar ainda os fatores relacionados ao estilo de vida, como obesidade, consumo de álcool, sedentarismo e tabagismo.

Um dos principais obstáculos enfrentados por mulheres jovens é a dificuldade do diagnóstico precoce. A falta de acesso a programas de rastreamento adequados resulta em descobertas em estágios mais avançados da doença, diminuindo as chances de tratamento bem-sucedido e aumentando as complicações associadas à doença. 

Neste alarmante cenário, cabe ainda destacar que permanecem incertos os métodos de preservação da fertilidade, assim como o impacto socioeconômico consequente à detecção tardia. Sem um programa de rastreamento adequado, limitam-se as chances de diagnóstico precoce e todos os benefícios relacionados, especialmente em uma população jovem, economicamente ativa, sendo a mulher muitas vezes a única responsável pela renda familiar.

Em reconhecimento dessa realidade epidemiológica brasileira, o Ministério da Saúde acaba de ampliar o acesso à mamografia no SUS para mulheres a partir dos 40 anos, atendendo a um pleito histórico de entidades médicas como o Colégio Brasileiro de Radiologia e a Sociedade Brasileira de Mastologia. Essa medida é um marco importante para o diagnóstico precoce, ao cobrir a faixa etária que concentra quase um quarto dos casos, ampliando a chance de identificar a doença em estágios iniciais. 

 A compreensão adequada dos padrões epidemiológicos, incluindo a distribuição por faixas etárias, é essencial para o desenvolvimento de estratégias de saúde pública eficazes. A identificação de fatores de risco permite a implementação de programas de prevenção primária e ações educativas direcionadas, com o objetivo de reduzir a incidência da doença. Efetivar estratégias assertivas é urgente para uma possível redução de risco por fatores modificáveis, a fim de promover a saúde e tentar reduzir a carga da doença no cenário de envelhecimento do país.

Inúmeros são os desafios, especialmente relacionados à equidade no acesso aos programas de rastreamento e tratamento. A superação dessas questões requer esforços conjuntos dos governos, da sociedade civil e da comunidade científica, visando a garantir que os avanços da medicina beneficiem todas as mulheres, independente da faixa etária e classe social.
 

* Médica do Centro Diagnóstico Lucilo Ávila e membro titular do Colégio Brasileiro de Radiologia.

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