Sex, 05 de Dezembro

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opinião

O longo olhar

“Charles Baudelaire, Machado de Assis e Marcel Proust, escritores urbanos, viram com desgosto que as cidades mudam mais depressa que os homens”.
    Paulo Mendes Campos, Belo Horizonte, Editora do Autor, 1962.


 
Janelas: são elas nossos olhos fluviais. Urbanos. Humanos. Paulo Mendes Campos escreveu:

“Eu possuí janelas e ajuntei para a lembrança um sortido patrimônio de paisagens. Minha primeira providência em casa nova é instalar meus instrumentos de trabalho ao lado duma janela: mesa, máquina de escrever, dicionário, paciência. Além de pequenos objetos familiares: galinha de barro, Gorki de porcelana, Buda de marfim e três cachimbos que há muitos anos esperam aparecer em mim o homem experiente que fume cachimbo. A janela também faz parte do equipamento profissional do escritor”.

À medida que ganhamos liberdade e, ao mesmo tempo, ficamos mais presos nos apartamentos, nos damos conta da importância das janelas. Com elas, fazemos trocas fundamentais ao nosso estar, viver. Colhemos o ar e as cores do cotidiano. E transmitimos sua conversão em sentimentos, impressões e olhares.

O poeta Paulo Mendes Campos disse que procurava um lugar que lhe servisse. De inspiração. Encontrou Ipanema. Diz que não muda mais de endereço. Que não quer sair. Quer ficar. Para quem é, acentua, as alegrias e as tristezas que conta estão de bom tamanho. Acena para as gaivotas, as amendoeiras, o mar, as ilhas, os barcos, os dias de ressaca. E dá adeus ao mar noturno, cheio de luz.

Entre os sabiás da crônica, outro que fala em janela é Fernando Sabino. Ele conta: “Eu vinha voltando para casa, dentro da noite de Londres. Noite fria, nevoenta, silenciosa. (...). Noite de inverno, de vampiros, de lobisomens, eu vinha vindo, apressando o passo, querendo chegar depressa, antes que aquela noite tão densa me dissolvesse para sempre em suas sombras.
Foi quando a neblina se esgarçou, translúcida, e a lua apareceu. Uma lua enorme, resplendente, majestosa – e quadrada.”.

O cronista relata que chegou em casa bêbado de lua. Entrou no ambiente cálido e acolhedor de seu tugúrio londrino. Olhou pela janela, lá estava ela, pendurada no céu em desafio: uma lua deslumbrante, cubo de luz suspenso no ar, nítido, misterioso. A lua quadrada de Londres!

Então, de manhã, pode ver, recortado contra o céu, o gigantesco guindaste no cume de uma construção. Numa das pontas da armação de aço, atravessada no ar, junto ao contrapeso, o quadrado de vidro que à noite se acende. A lua quadrada de Londres.  

De minha parte, não tenho o talento dos sabiás da crônica. Mas tenho uma janela. De onde avisto o arrebol violáceo. Que fecha cada dia. Com o céu incendiado do Recife. Para além da várzea molhada do Capibaribe. Que rebate o azul superior com os verdes intermediários de mangueiras, oitizeiros e palmeiras. De lá, fotografo o dia sublimado, a noite bem-vinda e uma esperança heroica trazida pelo rio. Foi assim que o bravo David Hulak, certa vez, perguntou:

- LO, onde estás ?


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