Sex, 05 de Dezembro

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opinião

O nexo dos ringues sociais: a loucura humana entre a lucidez e a psicose

Por maior que sejam os assombros de um mundo que parece mais louco do que de outras épocas que vivi, vejo o tempo percorrido e faço valer um pensamento de Kierkegaard: "a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente.”

Perfeito. Mas, como olhar para frente se a configuração do mundo atual está mesmo pautada por tantos eventos surreais? Ou melhor, por loucuras humanas que bem explicam a ausência dos verdadeiros líderes, aqueles que agem com equilíbrio e habilidade? Por que se chegou ao ponto de se assistir às relações sociais serem maltratadas, de modo aberto e transparente, por agressões estimuladas? E justo pelos meios criados para aproximar os seres humanos: as propaladas redes sociais.

Neste ponto, reforço aqui meu raciocínio, fortalecido por um texto recente, presente na coluna do grande escritor angolano, José Eduardo Agualusa,  publicado em "O Globo". A recomendação, embora direta, sobre o quanto vale a simplicidade do fazer uso de uma "rede de dormir", para moderar circunstâncias complexas e conflituosas, insinua uma crítica sutil às manifestações de ódio que se propagam noutras redes: as sociais. Afinal, num outro texto, Agualusa revelou que os comentários fortalecidos pelas mídias sociais têm servido para extrair o que há de pior dos seres humanos. Portanto, bem melhor valorizar uma "rede de dormir", pois, de acordo com Agualusa, é uma "máquina de abrandar o tempo, um ansiolítico eficaz e, sobretudo, uma cápsula de reflexão". Já a outra rede...posso entendê-la como um modelo novo de "hospício: o desta era digital.

Bem, se sigo aqui aqueles conceitos de Agualusa, preciso também colocá-los diante dos níveis atuais de loucura. Parecem-me até bem assumidos por parte de uma humanidade, que se satisfaz com a idiotice e mediocridade. Tudo acontece entre o padrão de uma loucura lúcida, ao alcance da filosofia de Nietzsche, até o pragmatismo de uma estupidez psicótica, ao estilo de figuras históricas como Nero. Situações essas que podem espelhar toda a psicologia dessas loucuras, contada como uma obra clássica de Foucaut. Enfim, há de tudo nessas redes, que creio fazer por merecer outra forma de tratamento. Ouso defender que "ringues sociais" sejam a expressão mais adequada para esse surpreendente "manicômio virtual", que prospera nos mais diversos ambientes. Na verdade, há todo nexo para isso, tamanha é a legitimação dada pela liberação de tantos meios de violência. Tudo de acordo com aquela escala da loucura, que ousei aqui delinear.

Nesse ritmo alucinante, segue a marcha humanitária, para a qual se esperava que fluisse, em pleno século XXI, de um modo bem mais evoluído e respeitoso. Por mais que, aqui e acolá, possam ser considerados alguns pontos fora da curva da normalidade.

De qualquer forma, como pratico minha utopia realista, assumo meu perfil otimista. Ou mesmo, de sonhador involuntário, para me manter em sintonia com as virtudes da obra de Agualusa. 

Quero dizer com isso, que as manifestações que têm transformado o mundo nesse tal "hospício digital", ainda dispõe de um bálsamo remediador. Desde já, entendo que educar, proteger e (re)civilizar são verbos passíveis de conjugação. Ou seja, orientar as novas gerações, efetivar uma regulamentação e coibir os abusos são ainda expedientes palpáveis. Isso é vital para mudar o traço assustador das redes sociais. Afinal, exercitar a civilidade precisa ser o passo inicial para trazer de volta os princípios de um humanismo que, infelizmente, perdeu-se no tempo. 

Mantenho-me, assim, convicto de que há plenas condições para validar a importância de uma boa rede de dormir. E seguir com a compreensão daquela máxima do filósofo dinamarquês aqui citado, na qual "a vida, para ser, realmente, vivida, precisa ser encarada no olhar para a frente".

Desde já, que seja essencial se enfrentar esses desafios. Sem medo de ser um louco lúcido, ou mesmo, algum acomodado feliz. Como disse Neruda "podemos até ser livres para escolher, mas precisamos entender que somos prisioneiros das consequências". Portanto, é preciso agir por melhores relações humanas. É só começar.
 



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