Sex, 05 de Dezembro

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OPINIÃO

O parlamento brasileiro é o espelho do povo que representa?

Em um verdadeiro estado democrático de direito, é no parlamento que está o caminho para a solução dos problemas de um país e de seu povo.

Nesse contexto, tanto na câmara, como no senado (ainda que neste esteja a representação dos estados), deveriam estar reproduzidos, da maneira mais precisa possível, quem é, como pensa e quer viver o povo, para que as leis, inclusive naquilo que toca ao exercício dos poderes e o ao cumprimento dos deveres, pelas autoridades, sejam uma espécie de “caixa de ressonância” do pensamento e da vozes das ruas.

E no Brasil, será que esse cenário existe de verdade?
Sem deixar de reconhecer o esforço de muitos dos nossos parlamentares, penso que, infelizmente, não vivemos verdadeiramente uma democracia representativa, pois as nossas casas legislativas não se mostram como um real espelho da visão de mundo e dos desejos da maioria de nosso povo.

Mas qual seria a razão disso?

Quanto à Câmara, acho que a principal causa desse baixo grau de representatividade decorre do sistema proporcional, em que os mais votados, individualmente, não são necessariamente os eleitos.

Para que se tenha ideia do grau de distorção a que me refiro, na última eleição à câmara federal, somente 28, dos 513 deputados, foram eleitos com votos próprios.
A massiva maioria, portanto, entrou na câmara federal por tabela, na esteira dos muitos “tiriricas” que há por lá, escalados pelos partidos, graças à popularidade que têm, como estratégia de quem “faz política” com calculadoras nas mãos e olhos no poder, sem muita preocupação com o interesse público e a qualidade de quem chega ao parlamento.

Além disso, a regra do teto e do piso, para determinar a quantidade, máxima e mínima, de deputados, por estados, igualmente, faz do parlamento uma amostragem pouco precisa do que é o povo brasileiro.

Por exemplo, São Paulo, sem o teto, teria mais de 100 deputados, ao invés dos 70 que tem, já o Acre, que tem 8 deputados, caso o critério fosse o número de sua população, sem a regra da quantidade mínima, teria somente 2 deputados federais.

E o Senado?
Ao meu ver, a distorção está em se dar, a todos os estados, igualitariamente, o mesmo peso, pouco importando o tamanho da população.

Como pode, um estado, com menos gente, e, desse modo, com menor representatividade, ter igual número de senadores e, por consequência, o mesmo poder de decisão que outro mais populoso?

Querem ver outro efeito ilógico, que decorre, possivelmente, dessa falta de efetiva proporcionalidade, entre o tamanho da população dos estados e a quantidade de parlamentares, por cada unidade federativa?

Não sei se vocês sabem que os atuais presidentes, do Senado (originário do Amapá), e da Câmara (eleito pela Paraíba), respectivamente, tiveram algo em torno de 200 mil votos e 100 mil votos.
Parece óbvio que esses políticos, de votação qualitativa e quantitativa tão baixa, comparativamente ao tamanho do Brasil e à distribuição de nossa população, de mais de 200 milhões de habitantes, pelos 27 estados da federação, não têm respaldo popular nem envergadura política suficientes para comandar as nossas casas legislativas federais.

Não tenho como afirmar, mas me arrisco a dizer, que a distribuição de forças, dentro do congresso nacional, seria completamente diferente, caso o critério de definição, da quantidade de parlamentares, por estados, fosse o de exata proporcionalidade entre o número de representantes e o tamanho da população de cada unidade federativa.

Mas tem algo ainda bem pior do que essa objetiva carência de representatividade dos presidentes das nossas casas legislativas.

É que em face das normas regimentais, que regem o funcionamento e a distribuição de poderes, internamente nos órgãos legislativos brasileiros, são esses “líderes” que determinam as pautas das casas que presidem, tendo, literalmente, “poder de vida e de morte”, sobre projetos e quaisquer outros atos relacionados à competência do parlamento, a exemplo de pedidos de impeachment de ministros do supremo e de presidentes da república.

Isso os coloca no centro das mais importantes decisões do país, com um poder de barganha incalculável, sem que eles tenham, como visto, sob o seu prisma individual, musculaturas, eleitoral e popular, para tanto poder.

E a opinião pública, onde fica?
Bem, essa foi relegada a “atriz coadjuvante”, pois, com os bilionários fundos, eleitoral e partidário, as campanhas e a subsistência dos partidos estão garantidas, pouco importando se são boas ou más as suas ideias, a sua linha ideológica e forma de atuação.

Acresça-se a tudo isso, o fato de não haver limitação à possibilidade de reeleição ao parlamento, a obrigatoriedade de filiação partidária, a inexistência de voto distrital e a quase total vedação ao financiamento privado de campanhas, a tornar bastante difícil, para não dizer impossível, o acesso de cidadãos comuns à disputa política e eleitoral.

É claro que não existe “mundo perfeito”, porém, refletir a respeito de distorções como essas, talvez ajude a entender as razões de tanta inércia no cumprimento de deveres e de pautas fora de sintonia com o povo e a enorme quantidade de projetos e atos absurdos, contrários ao interesse público e ao senso comum, no nosso parlamento.

Mas como essa inversão de valores oficializou-se no Brasil, já que a constituição federal estabelece que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”?

Ora, meus amigos, em países institucionalmente frágeis, onde o poder está concentrado nas mãos de poucos, como no nosso, independentemente das regras e dos discursos, com declarações de amor à democracia, como se diz popularmente, “na prática, a teoria é bem diferente”.

*Sócio do GCTMA Advogados, Procurador aposentado do Estado de Pernambuco, Conselheiro de Administração/IBGC

 

 

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