O Supremo em encruzilhada: entre a independência e a submissão
A aposentadoria voluntária do ministro Luís Roberto Barroso abre uma vaga no Supremo Tribunal Federal — e coloca sobre o presidente Lula a responsabilidade de decidir que tipo de Corte o Brasil terá nos próximos anos.
Ao longo de seus três mandatos, Lula seguiu dois padrões distintos de nomeação. No primeiro, acertadamente, indicou juristas de trajetória sólida, sem vínculos partidários explícitos e reconhecidos por sua independência intelectual — como Joaquim Barbosa, Eros Grau e Carlos Britto. Nomes que, independentemente de posições ou votos, reforçavam a ideia de um Supremo guardião da Constituição, e não extensão de governo.
A partir do escândalo do “Mensalão”, porém, o padrão mudou. As lamentáveis escolhas de Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Flávio Dino evidenciaram o peso da confiança pessoal e do engajamento político sobre o critério técnico. Pelas suas trajetórias, a presença dos três no STF enfraquece o valor simbólico da toga — cuja força repousa, justamente, na distância do Executivo. Essa inversão de lógica por parte de Lula representa um descompromisso com a instituição e com a própria ideia de democracia.
É fato que a escolha de um novo ministro é atribuição exclusiva do presidente da República. Mas cabe à imprensa, à opinião pública e aos parlamentares exercerem pressão legítima para que a decisão seja impessoal e pautada pela Constituição. Os requisitos de notório saber jurídico e reputação ilibada não são fórmulas decorativas ou opcionais: representam o compromisso de que o Supremo seja composto por magistrados de reconhecida autoridade moral e intelectual — não por aliados do presidente.
O Senado, por sua vez, não pode se limitar ao papel de carimbar indicações. Como sempre o fez. Aprovar sem escrutínio é trair o dever de proteger o equilíbrio entre os Poderes. Rejeitar a indicação de quem não preenche os requisitos é uma obrigação.
Também será um erro transformar a escolha em vitrine de representatividade identitária. A legitimidade do STF nasce do mérito jurídico, da trajetória de vida, robustez pessoal, e do equilíbrio — não de símbolos ou identidades.
A passagem de Barroso deixa lições. Respeitado jurista, sua retórica, por vezes inflamada, extrapolou os limites da função. Declarações como “vencemos o bolsonarismo” ou “perdeu, mané” comprometeram a imagem de imparcialidade que o cargo exige. Um ministro precisa falar com serenidade institucional, jamais como protagonista de embates políticos. A toga não comporta gestos de militância.
Por fim, a saída de Barroso pode significar dois caminhos: ou marca o início da reconstrução da autoridade moral do Supremo, com uma escolha técnica e independente; ou consagra o esvaziamento de sua legitimidade, caso o critério pessoal ou partidário volte a prevalecer. Receio, contudo, que esta última possibilidade seja a mais provável — e que o Supremo continue a perder o que mais deveria preservar: a confiança dos brasileiros.
___
Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail [email protected] e passam por uma curadoria antes da aprovação para publicação.
